quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Cid Moreira é de direita

Eu suponho que Luciano Huck teria, é claro, que perder aquele lobo cerebral que condiciona suas reações de sublimação epifânica toda vez que ele toma conhecimento de histórias de vida. Nessa fantasia que eu acabei de criar isso poderia ser possível e o homem poderia deixar de ser o que ele é. A parte fácil é imaginar diatribes de Cid Moreira sobre o excesso de tributação. E ele fazendo graça e se afastando quando Luciano Huck diz uma besteira.

Ei-la, a versão brasileira disso aqui.

Acabei de elaborar a ficção para afirmar que Cid Moreira é realmente de direita e tal.

domingo, 21 de agosto de 2011

Dear Wendy - Thomas Vinterberg


Eu tinha uma longínqua lembrança de que eu cheguei a postar aqui da última vez que eu li The Picture of Dorian Gray. Foi curioso perceber, depois de encontrar afinal o arquivo, quanto tempo isso já faz. Um tempo suficiente, devo dizer, para acumular práticas degenerativas tanto do corpo quanto da alma, como por exemplo a experimentação não metódica de certos tipos de cerveja lager. Por pura ausência de pacto com o demônio, eu imagino, muitos rasgos esteticamente perturbadores devem ter aparecido no meu rosto de lá para cá. Mas não foi só isso. Agora eu também fico na delicada posição de dizer que este filme é uma versão bang-bang do dandismo oficial sem poder dizer, porque eu não me lembro tão bem do livro assim, quem seria o Lord Wotton da história.

***

É preciso não ter muitas resistências a qualquer tipo de exagero inofensivo para gostar dessa história. Deixando de lado o exagero inofensivo mesmo de pensar que o filme de fato é brilhantemente original e sombriamente legal, como não poderia deixar de estar escrito na capa, eu me diverti, sim, e me encomendei aos diabos na cena em que Clarabelle, a velhinha do escopeta, faz jus ao seu epíteto. Em outros momentos de exagero também dá para se comover. Na apologia de Krugsby (Bill Pullman) aos bolinhos de chocolate, talvez até a menos exagerada das filosofias apresentadas; ou, ainda, nos ataques de fobia do Sr. Salomon.

Krugsby é o policial que você pode ver que está falando do fundo do coração ao dizer qualquer coisa. You're a good kid, ele diz, e pela quantidade de ar retida dentro da boca, modulando a voz, você percebe quê tipo de homem ele é. Ele anuncia que o Marshall Walker está chegando para resolver uma pequena emergência policial e daí alguém pergunta se era the Marshall Walker. Krugsby encolhe um pouco os ombros, levanta um pouco as sobrancelhas, perde um pouco o olhar no horizonte e diz yeah... como um é isto mesmo, meu amigo, aquele bruto de homem acabou de dizer que ele está vindo aqui, então imagina só quê tipo de merda insana e exagerada totalmente fora do nosso controle está prestes a acontecer... Mas existe quem não pense assim. Lars von Trier, por exemplo, aliás o roteirista do filme, pensa que ele é como qualquer homem que carrega uma pistola L1808 polymer e assim indigno de confiança. O Sr. Sslomon é o dono da mercearia onde Krugsby sempre começa o seu dia. A presença constante das forças de ordem no seu estabelecimento não é suficiente para afastar o medo do proprietário de que as coisas fujam do pacato e tornem-se parecidas a um ataque de gangues. Disseram por aí que as gangues estão soltas pelas ruas e então o Sr. Salomon hiperventila-se, atônito de medo.

Quem tiver dúvida sobre a pouca ou nenhuma seriedade com a qual se deve tratar esse tipo de história -- em que um guri forma um clube juvenil de amantes de armas de fogo e sonha em dominar uma pracinha -- não deve se afligir. No próprio roteiro se fez questão de criar um personagem bocó que exagera números e que diz que os índios atacavam seus inimigos dando mil por cento do seu vigor. É mais ou menos como fez Sebastian, ao ouvir esse disparate, que sempre se deve reagir a um discurso exagerado. Isso é alguma porcentagem, hein?!

A trilha sonora do filme, se não for toda, é quase inteiramente composta de músicas da banda The Zombies.

domingo, 3 de julho de 2011

Don Quijote de la Mancha - Miguel de Cervantes Saavedra

Estou me sentindo um pouco usurpador do talento literário de Miguel de Cervantes. Deve existir, eu imagino, no catálogo das espécies de leitores esse tipo de pessoa. Genericamente falando, e sem a pretensão de tratar do tema com o adequado rigor científico, o usurpador do talento literário de Miguel Cervantes, tal como eu estou propondo aqui, é mais ou menos aquela pessoa que, alguns anos atrás, leu duas vezes com grande satisfação a história de Dom Quixote, achando que ali ela aprendeu e desfrutou duas vezes de engenhosidades tremendas sobre literatura, e que tempos depois encontrou neste site aqui um arquivo de excelente qualidade técnica, o qual começou a escutar durante a semana, indo e vindo pela cidade. O usurpador do talento literário de Miguel de Cervantes, por definição, desconhece outras obras dele, e não sabe fazer um post organizado no padrão wikipedia com os diversos tópicos de interesse que a história suscita, características ambas que eu por acaso possuo.

Outra deficiência minha, ou cacoete mental, ou, ok, uma simples mania odiosa -- vai depender do grau de indulgência de vocês -- que me faz sentir um pouco idiota em relação a essa história é a minha constante atitude de professorinha primária dizendo que ler é muito bom porque te faz viajar por terra distantes. Eu me degenero, de fato, a este ponto. Lendo e, agora, ouvindo a história, volições incontroláveis arrebatam o meu ânimo e me fazem pensar e divulgar a ideia de que quando você está dedicando a sua atenção a Dom Quixote, mais do que ficar em silêncio olhando para um livro ou tombar o pescoço para ouvir bem cada palavra no som do carro, em verdade você está um pouco numa jornada intelectual.

Vocês viram que eu cheguei a usar essa expressão, jornada intelectual, e chego a quase colocar umas aspas ou então pelo menos colocar em itálico. Com um princípio assim, tão malévolo, é assustador pensar até onde esse surto pode prosseguir. Sei que o caminho é lúgubre e umas frases inspiradoras e de máxima condescendência me ocorrem para descrever a minha experiência com essa história. Posso ser ouvido dizendo coisas como "A sequência das palavras da história, sou levado a sustentar, vai despertando em você um não sei quê de sublime, de consternado", e também platitudes nauseantes do tipo "Eu rachei o bico de rir na parte do Dom Quixote se fazendo de fodão lá com o Sancho Pança, quando ele tinha levado o maior preju na orelha. Massa demais, velho".

Um experimento que eu fiz, para continuar falando de experiências e vulgaridades, foi tentar alargar ao máximo a distância entre a minha vida e a de Dom Quixote, isso pelos meios artificiais ali à minha disposição, os quais pudessem completar o serviço que, de resto, eu tentava me convencer de que nem precisava começar a ser feito. Era para ver se, no final, sobrava algum resíduo, anódico que fosse, de afinidade. Para ver se eu também sou louco, quero dizer. Minha prática, nesse domínio, acabou rendendo alguns frutos. Por exemplo, eu descobri um método bastante eficiente para testar se você é Dom Quixote. O método é o seguinte: quando você estiver escutando qualquer coisa que Sancho Pança esteja dizendo, alguma trivialidade que você possa ignorar dando de ombros ou desviando o olhar, tente reparar ao seu redor se você consegue ver uma SUV te pedindo passagem para ultrapassar. Na vida moderna isso acontece toda hora, com a mesma frequencia que, nos tempos de Dom Quixote, uma grande aventura se produzia nas estradas manchegas. O que normalmente se deve pensar, nesses casos, e o contrário significa problemas mentais graves, não pode ser muito diferente de "opa, é melhor eu deixar me ultrapassar isto que, ao meu parecer, não é a carruagem de gente baixa e soez, até por que se tem por certo e averiguado que eu arrematadamente não dei o raio da seta aqui... A propósito, eu não acredito que a pessoa no banco do carona esteja em cativeiro".

Outra coisa que eu fiz algumas vezes foi programar o ipod para o aleatório. Com esse expediente o que se obtém não é exatamente um bom termo de comparação entre o seu comportamento e o comportamento de Dom Quixote, para uma mesma situação que acometa a ambos (cagada no trânsito, por exemplo). O que se consegue com esse expediente é a chance de refrescar o seu espírito então imerso em medievalidades com um pouco de Fiery Furnaces, I'm gonna run. Isso, eu destaco, é bem frívolo e deve ser incentivado. Os arquivos da transmissão não costumam ter menos de 10 minutos de duração e geralmente têm mais de 15, dependendo dos favores e desfavores, caprichos e comandos, com os quais algum sábio encantador, pela via de encantamento, pode encantar quem estiver escutando; é um tempo suficiente, de toda maneira, para suscitar um engajamento minimamente profundo. Aí, do nada, você perturba a sua concentração de uma forma que jamais poderia acontecer com os personagens aos quais, até alguns segundos, você estava dedicando a sua inteira atenção. "Como se volta disso?" , é a pergunta que eu não tenho a menor noção de como responder. Mas se tem alguém que mostrou que se pode ir e voltar de qualquer lugar, e isso eu posso afirmar com olímpico oblívio de pessoas como Henry Ford e o inventor bipedismo terrestre, este alguém é o ora usurpado Miguel de Cervantes.

Por uma grande coincidência, a outra obra literária que eu estava lendo por esses dias, também do modo fragmentário, é uma espécie de manual para nós outros, os usurpadores de Miguel de Cervantes. A minha escolha, é verdade, foi pensadamente no autor, muito embora o formato mesmo da maioria dos seus livros tenha sido a característica fundamental para que eu decidisse me propor a reservar e ler os livros de Jorge Luis Borges, entre isto e aquilo que eu faço durante o dia, 10 minutos de alguma hora antes do almoço, e 10 minutos de alguma hora depois do almoço. Num dos mais famosos livros deles, Ficções, que eu só fui comprar agora, tem lá a história de Pierre Menard, a quem Borges fez escrever o exato e mesmo livro que Miguel de Cervantes já havia escrito, para dizer coisas que as palavras ditas por Miguel de Cervantes, porque ditas por Miguel de Cervantes, não poderiam dizer.

A ideia é assombrosa e no elevador, às vezes, algumas pessoas protestam.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Três filmes

Cada um melhor que o outro. Eu não vou conseguir fazer um post adequado para todos, então eu só vou deixar o nomes e um comentário supinamente breve:

- Aaltra: Gustave de Kervern & Benoît Delépine. Viagem de dois inválidos da França à Finlândia. Nunca vi um road movie parecido com este.

- Vacuuming Completely Nude in Paradise: Danny Boyle. Muito melhor que Trainspotting.

- Kill Me Please: Olias Barco. Trata tão comicamente da eutanásia que faz Million Dollar Baby parecer o que aquele filme sempre foi, desprezível.


 
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