terça-feira, 22 de julho de 2008

Eu tomei a estrada menos viajada

Porque a outra estava em obras. Tive que pagar pedágio do mesmo jeito. Logo na entrada, tenham em mente. E o guardinha ainda perguntou se eu não tinha trocado. "Meu amigo", eu disse, "já não basta a minha alma que aqui vai sacrificada?" Ele deu de ombros. "E os meus distraídos e preguiçosos sonhos, que toda a literatura e a religião me permitem ter, como ficam?". Ele se impacientou com todos os gestos de impaciência conhecidos. E eu pergunto se vocês acham que ele me deu algum recibo.

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Não tenho motivo para escrever isto

Hoje uma lampadazinha se acendeu sobre a minha cabeça e irradiou sua luz pela sala, ou então uma versão minha se desprendeu do meu corpo e saiu gritando “eureka” pelas ruas, no que eu descobria uma grande coincidência. Como um cientista estudioso que aprendesse subitamente alguma verdade enigmática, em todo caso, foi como eu me senti. Mas fiquei feliz menos pelo conteúdo do achado do que por ter adquirido, afinal, mais uma coisa com a qual poderei ocupar meus pensamentos nas horas de distração, se é que isso faz algum sentido. Eu já conhecia, é verdade, algumas vagas passagens da história completa, mas só hoje certos detalhes que me permitiram relacioná-la comigo vieram ao meu conhecimento.

Eu tinha me esquecido de pensar no assunto – por onde se vê, aliás, que não é nada que não seja uma perfeita trivialidade. Voltei a dar alguma atenção ao caso justamente numa conversa da qual eu jamais poderia esperar qualquer informação relevante, quando sem mais um sujeito contou um pouco sobre o outro sujeito que é o objeto da minha coincidência. E por contar entenda-se isto: ele mencionou brevemente a história desse sujeito, intercalando-a dentro de uma outra história maior que ele estava narrando, e olhou na minha direção porque conhecia mais ou menos as circunstâncias que nos unem – eu e este outro sujeito. Eu pensei em intervir na conversa para apontar que a coisa talvez fosse não apenas uma coincidência, mas uma grande coincidência; acabei não fazendo isso porque não éramos os únicos na sala e o terceiro presente já ia inaugurando um novo tópico de conversação.

Foi melhor que eu não tenha falado o que eu tinha em mente. Foi melhor para os propósitos da causa que eu iria defender. Naquele momento eu ainda não conhecia inteiramente os fatos que agora me fazem afirmar que a coincidência entre mim e este tal sujeito não é apenas grande, ela é impressionante e notável. Afirmo isso pensando unicamente em termos de coincidência: de acontecer um evento sob certos aspectos idêntico com duas pessoas que guardam semelhança em relação a certa característica, sendo que tal evento, ao que se tem notícia, nunca aconteceu com as outras pessoas que têm aquela mesma característica. Como eu não vou mesmo dizer do que diabos eu estou falando, não preciso dizer que eu não considero o tal evento aquilo que se chame de impressionante e notável, nem de preclaras e ilustríssimas eu chamaria as pessoas a quem ele tenha ocorrido; só registro que ele é de alguma forma peculiar e que, ao que se tem notícia, não aconteceu com outras pessoas do grupo ao qual eu e o tal sujeito pertencemos. São dois grupos, para ser mais preciso. Um de origem e outro de destino, os dois relativamente com poucos membros.

Mas este post não tem sentido. E no momento em que eu escrevi “origem e destino”, posso jurar que eu ouvi algo parecido com uma pessoa pegando uma vitrola, deixando tocar por um tempo uma musiquinha, daí começando a narrar um trailer, daí interrompendo a musiquinha, daí , em algum ponto, dizendo “but he’s about to find out...” com a voz mais engraçada do mundo, o que vem a ser quase o que aparece neste vídeo. Aos interessados em saber exatamente como eu ouvi a voz basta assistir ao episódio final da décima temporada.


terça-feira, 15 de julho de 2008

Sobre um grande triunfo que poderia acontecer

Eu me lembro que em certa altura d’Os Maias, o sujeito que era o grande puxa-saco da história disse que Carlos Eduardo já fazia muito pelo processo de civilização de Portugal só de andar bem vestido pelas ruas de Lisboa, que qualquer coisa além disso já seria ignorar exageradamente a mediocridade e a sensaboria do povo lusitano. Nobre e rico, Carlos havia se decidido a montar um consultório médico apenas para contornar a sensação de rematada inutilidade que vez por outra assomava os espíritos singelos de alguns cavalheiros do século XIX; chegara a preparar uma biblioteca, e mesmo a conduzir alguns experimentos num laboratório equipado com tudo que a sua fortuna (na verdade a de seu avô) podia comprar.

Agora já não sei, na história, quanto tempo durou esse entusiasmo; pouquíssimas páginas, eu imagino. Carlos não era bobo nenhum pouco. Rapidamente lhe foi dado conhecimento de que sua posição não lhe exigia mesmo mais nada de construtivo, digamos assim. Isso até no mundo puramente artístico ou científico. Acho que ele chegou a iniciar um tratado sobre alguma coisa, lá enquanto estava sob o efeito de uma vontade de grandeza – um furor desses de inverno que, ao verão, é substituído pelo desejo de uma temporada em Paris. E trabalhando ou não trabalhando, engrandecendo a ciência ou não, o que o pobre Carlos Eduardo logo percebeu é que os ternos impecáveis e as peliças luxuosas, pelo menos com esse aparato ele poderia e iria civilizar a gente lisboeta. E pelo trabalho que essas coisas já davam, desde a encomenda nas melhores casas de Londres até a dura tarefa de vesti-los em temperatura um bocado mais elevada do que o recomendado pela etiqueta, talvez ele já estivesse fazendo mais do que a sua parte. Assim ele pensava, Lisboa que aproveitasse a chance.

Eu estou ao lado de Lisboa.

Mas penso, ainda, num grande triunfo que poderia me render nomeada. Seria, atenção, uma coletânea de tabelas das unidades monetárias ao longo do tempo e dos reinos. Que talvez viessem acompanhadas de um anexo de conversão de câmbio. A correspondência com o Real, não descarto, poderia até aparecer, já que não há brasileiro que não queira saber quanto custa cada coisa. O principal da minha empreitada seria apresentar as regras dentro de cada unidade, oferecendo respostas para perguntas como: “O que é um conto?”; “O que são nove mil-réis?”; “O que são vinte kopecks?”; “O que é uma libra?” e “O que é a importância de três moedas de cobre?”.

De modo que não mais alguém leria um conto russo tendo dúvidas sobre a proporção entre os copos de vodka que o infeliz bebeu e as peles de animais que ele deveria comprar com o dinheiro gasto lá com a sua ebriedade. E acabaria a freqüente inquietação de querer saber o valor de um dinheiro encontrado num embrulho em comparação com a esmola que o sujeito acabou dando a um mendigo. Não seria uma maravilha? Acho que Machado de Assis seria outro se lido com o auxílio dessa tabela. Ah, quantas luzes não poderia ela lançar sobre Sancho Pança, Shylock e Naziazeno.

Em alguns casos a necessidade da minha tabela parece ser não apenas acadêmica e frívola, mas séria e imediata. Quando se combinam frações de uma mesma moeda com a sua conversão em pecúnia estrangeira, por exemplo. Bom, ou eu sou muito burro – e aí, em todo caso, a minha tacanharia só poderia ser diminuída, e não aumentada, pela tabela –, ou Borges esperava que seus leitores fossem peritos do Banco Central quando escreveu este trecho. Ora, digam-me se isto não é obscuro (A Espera).

Da boléia o cocheiro lhe devolveu uma das moedas, um vintém oriental que estava em seu bolso desde aquela noite no hotel de Melo. O homem entregou-lhe quarenta centavos, e ele sentiu no mesmo instante: ‘Tenho a obrigação de agir de maneira que todos se esqueçam de mim. Cometi dois erros: dei uma moeda de outro país e deixei ver que o engano me perturbou’".

Tem gente que empaca duas horas para ficar pensando já na primeira frase de Ana Karenina. Eu não sei francamente se eu fiz interrupções meditabundas nesse livro, porque eu não sei se a expressão “três kopecks de troco” aparece alguma vez na história.

domingo, 13 de julho de 2008

Carta a F de H

Meu caro amigo,

“Deus mata um animalzinho a cada vez que surge um blog.” Seria assim, alertando desde logo o leitor sobre o meu perfeito conhecimento acerca do funcionamento trágico dos blogs, que eu começaria a minha própria contribuiçãozinha ao Armagedon. Mas da sua inteligência observadora, é claro, eu não escaparia; muito antes de pensar que fosse a minha intenção simplesmente escandalizar o leitor com uma notícia tão chocante, você saberia que nesse disclaimer estaria é a minha frívola vontade de fazer crer a todos que o meu blog não nascia a despeito, mas justamente em razão desse peculiar ato de ira divina. E é verdade, no fim, que eu detesto animais. E é verdade que o sacrifício de uma vida bestial me parece não muito quando comparado à enorme chateação que mais um blog provocará no equilíbrio das forças cósmicas.

Só não deixo é de pensar no susto e no espanto de quem testemunhou, apenas alguns instantes atrás, a minha vítima sucumbindo repentinamente. Quer dizer, contanto que o incidente não tenha se passado num beco distante e desabitado ou em plena mata tropical, ou em qualquer lugar onde seu efeito seja na verdade menos que devastador. Posso imaginar um cenário bem mais propício, ricamente feito. É este: tinha-se lá uma criaturinha inocente e cândida abanando o seu rabo, cheirosa e prodigalizando blandícias, verdadeira alegria de uma senhora bastante solitária. Quando essa pobre Dona Marília se levanta do sofá para se colocar diante da janela e contemplar melancolicamente as pessoas voltando da missa – estamos em algum interior e a nossa Dona Marília é freqüentadora das missas de sábado –, percebe que o seu gato, seu amado Mico, está bem rígido e estático e morto. Dona Marília, então, grita.

Eis aí a máxima repercussão a ser alcançada pelo meu blog. O mais de infâmia e vulgaridade que ele produzir você poderá ler neste endereço: http://netotorcato.blogspot.com

Cordialmente,
Neto Torcato
 
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