terça-feira, 30 de dezembro de 2008

News

The only way to implement New Year's resolutions is to get the thing started before New Year's Eve. That way you can trick yourself into believing, by January 1st, that the thing you want done is already a tradition you couldn't possibly escape from keeping. I've done it before, anyway. I mean, I've written stuff in English and had the nerve and the lack of respect for others to actually post it. Not that my regular Brazilian readers do not horrify themselves with my bad usage of the Portuguese language. Writing in English, however, is perhaps a dangerous assignment for me, as I try to imitate the writers I most admire -- failing in accomplishing that much more deplorably than I'm used to do in Portuguese. All of you be darlings and forgive me for that.

My plans to extend this realm of idiocy to the English-speaking world will follow the same guidelines that oriented my approach to great empires such as Mozambique and Macau. I will choose a movie or a book and I will do some trash talk if I am not crazy about it. One in every four posts, if I can write in English one in every four posts, I figure enough damage will be done.

domingo, 28 de dezembro de 2008

We're no Angels - 1955 - Michael Curtiz


Não a versão com Sean Penn e Robert De Niro, como vocês podem imaginar. Aqui são três prisioneiros fugitivos que se abrigam numa casa de fundos para um loja, em oposição à mencionada dupla se escondendo num convento. Aqui a história se desenvolve em torno de diálogos, saídas e entradas dos personagens basicamente de uma única sala. Que é por onde transitam, indo de um canto para o outro, os três membros da família Ducotel: o pai, encantadoramente pródigo gerente da loja que o seu primo rico lhe deu para administrar; a mãe, uma mulher que não se arrepende de ter se casado com um encantadoramente pródigo homem de negócios falido; e a filha, a sonhadora apaixonada pelo primo que ficou na França quando ela e sua família abandonaram o país em razão de um mau relacionamento com os credores.

O filme é de 1955. A fotografia Technicolor parece ser de 1955. O fato de os prisioneiros, em algum ponto, homenagearem a família cantando uma música sobre os três reis magos tem alguma coisa de 1955. O próprio Humphrey Bogart, já nas últimas, tem um corte de cabelo definitivamente típico do ano de 1955. Só dois elementos que destoam: os outros dois companheiros de prisão. Um deles é igual àquele amigo do sujeito naquele filme em que a mulher do Sex and the city tenta obrigá-lo a sair de casa (bastante acurada e precisa essa minha frase). O outro, dir-se-ia um taumaturgo na arte de violar cofres e outros utensílios lacrados, também tem um aspecto mais moderno. Não sei dizer bem o porquê.

Vou dizer exatamente qual foi a minha parte favorita. Foi o efeito especial, rudimentar à sua própria maneira, da última cena: o breve instante que eles esperam para colocar a auréola na cabeça do Adolphe é o mesmo que eu esperaria, se eu fosse o encarregado. Transcrevo uma das melhores falas. Peter Ustinov está contando sobre uma vez que Adolphe intercedeu por eles. Suas mãos estão displicentes em seus bolsos. Suas palavras são pronunciadas com uma espécie de consternação zombeteira, os lábios se mordendo algumas vezes, os ombros se encolhendo algumas vezes, o seu olhar algumas vezes se desviando para o nada, como se a visão que ele estava descrevendo tivesse alguma qualidade indizível que só quem tivesse visto pudesse compreender.

"Adolphe did us a favor once".
"A big favor".
"We used to be watched over by a guard who was a very disagreable fellow... with a whip. One day, he was shouting in a particularly nasty way and must have been a note in his voice which irritated Adoplphe. Because, you know, vipers are very musical reptiles. They're much more musical than people think. And, anyway, the snake lost his patience, fell into the gap beetween the guard's collar and, I suppose, it would be the neck and... schheezzz. It was a matter of seconds.

Death Cab for Cutie - Photobooth

sábado, 27 de dezembro de 2008

The Graduate - Mike Nichols


Também um presente que eu ganhei nesse natal, o que me faz lembrar daquele episódio de South Park em que as crianças, um pouco enojadas com toda a transformação que elas estão vendo acontecer com a forma de se celebrar o natal, tentam resgatar o seu verdadeiro espírito de consumismo desbragado e total oblívio da fraternidade. Infelizmente, eu estou me aproximando desse grau de cinismo para reconhecer que, se é que vamos ser cretinos incorrigíveis ao longo da nossa existência inteira, que pelo menos de vez em quando paremos por um segundo e entreguemos aos outros alguns presentes. Isso ajuda a economia. Estou brincando... acho eu.

The Graduate é um ótimo filme. Não foi por acaso que se tornou um clássico. Tenho alguma coisa, porém, a acrescentar a tudo o que já foi dito e falado sobre ele? Acho que não. Acho que esse blog seria menos obtuso se eu escrevesse sobre os clássicos apenas que eles estão aí para a gente ver e que, por obrigação moral, deveríamos assistir sempre que a ocasião se apresentasse (daqui). A trilha sonora, toda ela original (até o limite da minha ignorância), é bastante passável.

Me atrapalhou bastante assistir a esse filme o tempo todo pensando naquele filme com a Jennifer Aniston e com Kevin Costner, Rumor Has It. Digo, não me lembrar exatamente duma história e de como ela se baseia na outra, isso me atrapalhou bastante. Gastei a minha reduzida energia mental tentando entender dois filmes ao mesmo tempo, quando é bem sabido que entender um único filme de cada vez já não é algo que eu consiga fazer com grande facilidade. Ainda mais porque, logo no início, eu já tinha detectado um ato de, como direi?, intertextualidade -- Dustin Hoffman atravessando o aeroporto na esteira, exatamente como fez a Jackie Brown. Quer dizer, a partir desse momento, pensei, não preciso mais ficar prestando atenção no que o diretor está fazendo porque eu, muito esperto, já vi uma coisa dele que mais tarde foi imitada por outro diretor. Porca miséria.

Butch Cassidy and the Sundance Kid - George Roy Hill


Incorporei alguns pensamentos ao meu conciso, porém desconexo, acervo. Quando eu chegar a algum lugar que por qualquer motivo seja especialmente desolador, pensarei comigo mesmo que eu me sentirei melhor depois de roubar alguns bancos. Quando eu estiver com medo de fazer alguma coisa ordinária, pensarei que eu provavelmente morrerei só com a queda. Ou então direi que a minha procura não deverá levar mais que alguns dias.

***

Não gostei da cena da bicicleta. Parece uma propaganda de banco veiculada por agência de publicidade brasileira. De filme de época com música moderna, ou com versão moderna de uma música antiga, já basta aquele de cavalaria medieval em que o sujeito chega na arena de batalha ao som de uma música, acho, do Queen.

***

No mais, gostei muito desse filme. Ganhei o dvd de presente, o que até me animou a iniciar mais seriamente uma coleção. Já assisti a quase todo o material extra, que é bem legal, aliás. Parece que a história e a - tosse, tosse - química entre os atores não eram para ser tão engraçadas como acabaram sendo. Isso quem disse foi o próprio Paul Newman, numa entrevista em que ele relatou uma conversa tida com o diretor. Disse o P.N que nos primeiros dias de gravação, o diretor chegou para ele perguntando por qual motivo ele e o Redford tinham mudado tanto em relação aos ensaios. Mudado como, questionou o ator. Por que vocês estão tentando ser engraçados, redarguiu o diretor.

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

House on Haunted Hill - 1959 - William Castle

Aqui.

Com Elisha Cook Jr. em mais um papel de acovardado simpático. Sabe quando alguém vai imitar uma outra pessoa e então muda completamente o tom de voz, sugerindo, no imitado, o ridículo e o patético? Imagine, agora, uma pessoa que já fale normalmente nesse outro tom de voz e que na sua versão oficial já seja ridícula e patética: eis aí qualquer personagem interpretado pelo Elisha Cook Jr. Com ele, fica bem reduzido o material daqueles que imitam pela diversão de fustigar moralmente os outros. Se você quiser imitá-lo, o máximo que poderá fazer é, como ele, tentar abrir e fechar a boca de um jeito muito peculiar, como se estivesse sempre tentando sorver o conteúdo de uma pequena ameixa. A voz que propriamente sairá da sua boca, no entanto, não fará muita diferença. Isso porque é impossível que alguém consiga pronunciar qualquer palavra de um jeito que seja mais tíbio e sem espírito do que o próprio Elisha. Não estou dizendo isso só tendo visto um filme com o sujeito, nem, muito menos, só tendo parado para pensar uma única vez nos tipos inseguros e pusilânimes. Por uma grande coincidência cinematográfica, a minha atenção tem se ocupado dele nesses últimos dias. Eu, que já havia notado esse talento para a franca debilidade em The Killing, agora confirmo a minha teoria.

Vi a versão mais moderna desse filme no cinema. Isso foi há quase uns dez anos, calculo. Lembro-me de que reclamaram quando eu fiquei tentando adivinhar o que iria acontecer em cada cena. A queixa foi praticamente formal, ao ponto de o assunto ser retomado várias vezes, mesmo já tendo se passado alguns dias. Provavelmente, e agora eu não me lembro, mas imagino, eu devo ter acertado alguma coisa muito séria ou imprevisível naquele momento. O que é raro, eu sei. No geral os meus palpites estão sempre errados, ainda mais em se tratando de um filme de terror. De que eu possa me vangloriar, vangloriar mesmo, só a minha descoberta instantânea do assassino em Jogos Mortais - descoberta dificilmente aceita como um sinal de intelecção e vida cerebral, muito mais atribuída a alguma espécie de sorte ou puro e simples mau gosto.

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Bullets Over Broadway - Woody Allen


Coincidência que esteja tocando Jeepers Creepers. O efeito disso, eu acho, não será pequeno. Louis Armstrong é sempre uma espécie de ativador de qualidades. Para mim, aliás, escutá-lo é quase a mesma coisa que vir um subalterno da máfia e escrever um post muito melhor do que eu jamais seria capaz de escrever -- pausa para elogiar o script: Cheech, o guarda-costas que vira escritor, é, como modelo de vida, a pretensão ideal de todo blogueiro.

O link do filme.

Registro ser impressionante como Jennifer Tilly se especializou em interpretar personagens, permitam-me errar, obnóxios. O caso é realmente grave. A cada novo filme fica mais difícil dizer onde termina o talento dela e onde fica só o que ela tem de autenticamente irritante. E não existe maneira mais cordata de se falar o que tem de ser falado: a guria é anatomicamente preparada para ser chata. Não estou exagerando quando eu digo que em toda a minha vida talvez eu tenha conhecido umas três pessoas com pescoços que mais afrontem a minha noção de estética.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

The killing - Stanley Kubrick

Esse filme mostra o crime de um ponto de vista um pouco jornalístico. A impressão que se tem é que um repórter resolveu mostrar como é feito um crime. Um pouco do drama de cada personagem é até revelado entre uma cena e outra, mas o foco principal é nas ações e no plano que será executado. Nisso fica o grande contraponto, eu acho, com a trama de Jackie Brown. Também ali, a seqüência de atos vai nos ocupando a cabeça até que o desfecho final seja explicado. Mas, enquanto isso, o Tarantino nos tenta convencer de que o exótico nos seus personagens, ainda que apenas muito marginalmente, é motivo para que tenhamos alguma admiração por eles. De minha parte posso dizer que essa manobra deu certo, o que não me impede de reconhecer, em tese, que as coisas não deveriam ser bem assim.

Em todo caso, o parágrafo anterior é o que acontece quando eu tento escrever sobre o filme em vez de humildemente reconhecer que o máximo que eu posso fazer é escrever sobre o fato de eu ter assistido a algum filme.

Que diferença faz?, como diria o próprio Johnny Clay.

domingo, 21 de dezembro de 2008

Goya's ghosts - Milos Forman


Eu tenho alguma implicância com filmes que mal podem esperar para mostrar um grande evento histórico. Porque, no mais das vezes, eles fazem isso, ou da forma mais inverossímil que se pode imaginar, ou simplesmente forjando eventos para efeito dramático. E sejamos francos: Cousin Eddie de Rei está nessas duas categorias.

The emperor waltz - Billy Wilder


Na melhor cena do filme, o imperador austríaco se refugia numa sala do seu palácio a pedido de um dos seus guardas, o qual, por sua vez, teme que um gramofone dentro da mala de um vendedor americano seja uma bomba pronta para explodir o sire. Uma meia comoção se prepara: os defensores muito mais agitados do que o defendido. Todos os soldados do castelo são avisados da ameaça iminente com um sino. Todos eles assomam pelos corredores, espingardas na mão e, no peito, o desejo de morrer pelo soberano. "What is it now?, pergunta o imperador. Polidamente o guarda responde que, ao que parecia, havia um assassino nas proximidades. "Oh dear", lamenta o imperador, "this get to be such a bore". Neutralizado o perigo, a mala finalemente é jogada numa fonte, já do lado de fora, nos jardins do palácio. Enquanto tudo isso vai acontecendo, o imperador brinca e se diverte numa salinha, fazendo vocês sabem o quê? Andando em cima do desenho de uma espiral no chão. Seus braços, é claro, estão cruzados nas costas, seus olhos, vagamente distraídos. Quando ele chega no centro da espiral ele pára, vira-se, e percorre novamente o seu passeio.

Além disso (estou falando das coisas que me fazem reconhecer a minha inclinação para o exercício do poder absoluto), a etiqueta imperial não o obriga a participar do baile. Tudo depende da decisão de Sua Majestade, do seu estado de espírito no momento. Ao ser informado, por exemplo, de que haviam nascido sem vida os filhotes do seu cachorro, Franz Joseph I subitamente se vê roubado da sua bonomia natural. Alguém diz que he's not in the mood for a ball. Ao que ele responde: you're quite right. I'm in the mood for a cemetery -- let us proceed to the ball.

Mas passemos ao ponto a respeito do qual não existem quaisquer dúvidas:


Joan Fontaine. Essa foto não é do filme.

sábado, 20 de dezembro de 2008

Jackie Brown - Quentin Tarantino


Vejo o diretor e Robert De Niro falando sobre o personagem; vejo-os, no conteúdo extra do dvd, falando um pouco mais abundantemente do que se poderia esperar de pessoas que não pensam demais sobre aquilo que elas fazem para ganhar a vida. O que me faz lembrar que cinema é uma coisa bem menos improvisada do que eu costumo imaginar, se é que é improvisada em qualquer grau. Fica registrada, então, a contradição com algo que eu escrevi, aqui, alguma coisa sobre.
[Deixo essa última frase canhestra de próposito; faz tempo que eu estou querendo pesquisar a possibilidade de inverter a ordem das preposições; espero que eu não esqueça esse assunto]
Mas eu não gosto de soul para poder elogiar todos os aspectos desse filme.
A formatação desse post está péssima, não sei bem o porquê. Acho que pode ser alguma coisa no computador que estou usando. Não me alongo.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

domingo, 14 de dezembro de 2008

I'm not there - Todd Haynes


Chego à bilheteria e respondo que sim, que pretendo ir ao cinema. Lá nesse prédio, eu sei, existem muitas outras instalações. E quando não fosse por isso, a pergunta nunca me pareceria muito idiota porque eu sou o tipo de pessoa que fica dando satisfação. Por exemplo, eu dou satisfação quando eu vou beber água. A mais patética sensação de dever, vinda não sei de onde, me obriga a informar a todos que eu estou indo beber água porque estou com sede. Como se as variáveis fossem muitas.

"Só um minutinho", diz uma mulher que estava dançando com um cigarro na mão, um cachecol verde no pescoço, e que eu já havia notado como um pouco fora do contexto alguns instantes antes, enquanto eu ainda passava pelo jardim que dá acesso à bilheteria. Olhando para ela mais de perto, já depois de atravessar o jardim, reforcei a minha primeira idéia de que alguma estroinice estava acontecendo. Na minha distração, porém, respondi à pergunta antes de achar estranho que ela a estivesse me fazendo. Mas depois de alguns instantes eu me vi na circunstância de imaginar de onde ela tirava aquela autoridade. Reparei, então, que não tinha ninguém na bilheteria, onde normalmente bilheteiros medram, e concluí que o minutinho que ela estava pedindo era o minutinho que ela iria gastar fumando e dançando para um senhor que estava sentado num pequeno balcão, à minha esquerda. Que atendimento ao consumidor!, pensei -- tudo a ver com o nome do filme.

Instantes após, apareceram três amigos que furaram a fila e compraram os ingressos na minha frente. Duas pessoas que já tinham entrado, e que estavam numa galeria adjacente, também apareceram. A mulher contou, um, dois, três, quatro, cinco... seis. Eu era o sexto. O cinema só poderia funcionar com seis espectadores.

Deadwood


Que atire a primeira pedra quem nunca ficou torcendo para que aquele cavalo que aparece correndo na abertura da série realmente levasse um tombo, num certo momento em que parece muito que ele vai levar um tombo. Ora, eu admito que minha simpatia pelos animais, se é que eu tenho alguma, não perdoa esse cavalo. E considerando as atrocidades ordinárias que acontecem no acampamento de Deadwood, minha fixação pelo tombo é quase uma sutileza de espírito, quase uma distinção celestial que me diferencia das outras vis criaturas.

Que atire a primeira pedra, também, quem nunca achou estranha a forma como Seth Bullock (Tymothy Olyphant) não movimenta os braços enquanto anda. Ele andando parece aquela mulher que trabalhava no escritório da Elaine e que mais tarde, naquele episódio, protagonizou uma catfight memorável.

Mas eu quero fazer boa propaganda dessa série. Pelo motivo da minha natural lentidão, eu não fui audiência na época em que ela estava passando -- tenho a minha parcela de culpa, pois, no encerramento das filmagens. A história, em todo caso, é a de uns pioneiros que se juntam num acampamento prestes a ser anexado aos Estados Unidos, hoje na região da Dakota do Sul, se eu não estou enganado. Estar prestes a ser anexado aos Estados Unidos, porém, significa uma coisa: nada. Significa que aquilo é um canto da Terra em que tudo pode acontecer e que nada acontecerá seguindo uma ordem juridicamente lógica. Homens que assassinam outros homens até poderão ser julgados por um tribunal montado para a ocasião; o juri não o condenerá a uma pena, entretanto, toda vez que ele estiver convencido de que o sujeito que morreu, uma vez, não se sabe onde nem quando, também matou o irmão de alguém.

Deadwood é muito mais suja do que Hill Valley, na mesma proporção em que seus habitantes têm, muito mais, o aspecto da lepra. Em termos de imundícia e de limpeza artificial, Deadwood se opõe a Hill Valley da mesma forma que Braveheart se opõe a Rob Roy.

sábado, 13 de dezembro de 2008

In Bruges - Martin McDonagh


Gostei muito. Acho que é o primeiro filme desse diretor que pode ser chamado de filme normal. E por normal eu quero me referir à duração de 107 minutos.

Vejamos alguns pontos altos:

- Ray, o semblante enojado, diz que uma família de turistas americanos não pode subir na torre por causa das escadas. Ele não está dando uma de engraçadinho, avisa. E a família está realmente bem acima do peso. O patriarca, depois disso, começa a correr atrás dele, na mais ridícula tentativa de desagravo já registrada.

- "A bottle?", pergunta, esmurrando-a. "Oh, don't bother!".

- "Well, I'm not gonna have a shootout in the midlde of a thousand fuckin' belgians, am I?" pergunta, bebendo tranquilamente a cerveja. "Not to mention the other nationalities just on their holidays."

domingo, 7 de dezembro de 2008

Swing Kids - Thomas Carter


Eu subestimo muitas coisas. O máximo que acontece comigo quando eu estou escutando It don't mean a thing if it ain't got that swing é alguém comentar que eu vou ficar surdo. E a noção que essas pessoas têm de um campo de trabalho forçado, para o qual, não tenho dúvidas, elas me mandariam se tivessem poder, é, no máximo, um barzinho com música brasileira ao vivo. Todas as coisas consideradas, portanto, estou no lucro.

Coisas que aparecem em Swing Kids que eu não sei fazer: (i) reger uma orquestra; (ii) dançar chutando os ares e rodando os braços e, ao mesmo tempo, estalando os dedos, tudo isso sem perder contato visual com a parceira e, ainda, sem trombar nas pessoas ao lado; (iii) descobrir qual disco está tocando, de uma coleção que deve ter mais de mil, e ainda informar todos os detalhes da gravação, se alguém tiver escolhido por sorte qualquer um deles, eu estando com uma venda nos meus olhos; (iv) sair vivo de uma briga com o Batman.

Não que o Robert Sean Leonard tenha feito todas essas coisas. Mas fez pelo menos a (ii) e a (iv), de resto as mais difíceis. Eu não sei, em todo caso, se eu comecei a gostar dele por causa desse filme ou se por causa do Sociedade dos Poetas Mortos -- sim, eu tenho a audácia, ainda a audácia, sempre a audácia de gostar do Sociedade dos Poetas Mortos.

A woman under the influence - John Cassavetes


Mais um da mostra só com os filmes desse diretor. Estou um pouco cansado para escrever sobre a história do filme. Em comparação com o Shadows, acho que o rolo estava muito mais limpo. O som era um pouco mais audível.

sábado, 6 de dezembro de 2008

Gotcha! - Jeff Kanew


Com um ponto de exclamação. Mais cedo ou mais tarde, era inevitável que eu ficasse sentimental e nostálgico a ponto de não desistir até encontrar o torrent deste filme. Já tinha procurado esse arquivo uma porção de vezes. Dessa vez eu encontrei. Não para a minha decepção, posso dizer. Pacífico, gosto do fato da arma que ele está segurando ser apenas um tranquilizador veterinário utilizado para adormecer, mas não matar, tigres enjaulados ou espiões russos lotados na Alemanha Oriental. Como dá para perceber, o importante no mundo de Gotcha não é a letalidade da arma. O importante é dizer Gotcha, assim humilhando a pessoa que recebeu o disparo.

As demais regras do jogo são nebulosas. O filme logo se desvia desse inocente jogo de paintball universitário para um ambiente tecnicamente mais beligerante -- o da espionagem soviética. Basicamente só a primeira cena, os créditos ainda passando, é que mostra alguma coisa sobre a entidade Gotcha. Dá para saber que os participantes têm um cartão de identificação, que aparece de modo claro em algum momento. Mais do que isso já passa a ser um mero exercício de especulação. Suponho que exista uma sala dentro do campus onde os jogadores entrem apenas se mostrarem a carteirinha. Talvez nessa sala funcione a central de mandados, que distribua aleatoriamente a cada jogador o nome de um alvo que deva ser eliminado. Haverá equipes ou é cada um por si? Quem ficar por último vence ou existe um sistema de pontos? Essas são algumas perguntas que ficam sem resposta.

Manhattan Murder Mystery - Woody Allen


Histórias de detetive só funcionam num extremo: quando o detetive é mais importante do que o crime. Se você colocar verossimilhança demais nos detalhes do assassinato, ou se você colocar esquizofrenia de menos na personalidade do detetive, o resultado será, na melhor das hipóteses, um episódio de Law and Order.

E ajuda bastante quando o investigador se nega terminantemente a se envolver na história. Por exemplo, proibindo que sua esposa invada o apartamento do vizinho, comandando que ela durma. Acho que essa foi a melhor cena do filme. Ou então quando ele diz que não está entrando em pânico e que apenas vai começar a rezar o rosário. Ou então quando ele diz que existe um risco de colidir com um ônibus escolar de madrugada: "what about night school?" Ou então quando ele diz que, ou ele está com medo de ser assassinado pelo assassino contra o qual se está intrigando, ou ele acabou de desenvolver Parkinson.

Só fiquei um pouco melancólico ao mais uma vez me lembrar de um grande sonho que eu sempre tive e que até hoje nunca se realizou. Um sonho bem infantil: estar numa sala de espelhos. Não sei se eles ainda têm salas assim.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Shadows - John Cassavetes


Um disclaimer, no final, adverte que a coisa toda foi um ato de improviso. Posso dizer que eu mesmo também exceli na minha dose pessoal de improviso. Assistir a esse filme, nas condições em que assisti, foi um dos feitos mais repentinos, súbitos, espontâneos da minha trajetória. Eu estava passando em frente ao cinema quando vi o anúncio e, na confusão do momento, só deu tempo de ir em casa, tomar banho, jantar, responder emails, pagar algumas contas e pegar o meu aparelho móvel de contenção. Entreguei o ingresso e escolhi um lugar ato contínuo, menos de uma hora e quarenta minutos depois de ter visto a programação no placar.

Sobre o filme, acho que eu nunca vi um rol tão grande de coisas que eu adorei e detestei condensadas tão proficuamente num único filme. Para começar falando de algo legal, a legenda do filme era em português de Portugal. Contemporâneo à época do filme, reparem. Filme que é de 1959. O que eu li de "whatcha doin', man" sendo traduzido como "que fazes, pá?" é mais do que eu gostaria de lembrar. Também me inquietou a questão das "tipas miúdas", ou das "tipas não miúdas", não me lembro bem. O chato é que o som muitas vezes era incompreensível por deficiência técnica. Outras vezes, no entanto, não dava para ter noção do que os personagens estavam falando porque a trilha sonora -- jazz da melhor qualidade -- era muito alta.

Como eu disse, dez segundos de uma cena poderiam contemplar, e muitas vezes contemplaram, o pior e o melhor que eu conheço em matéria de cinema. Nem tanto pelo que estava aparecendo na tela, em si, mas pelas alusões e memórias que aquilo constantemente me infligia. Mesmo eu, que não conheço ninguém, por exemplo, não pude deixar de notar que, dos dois irmãos músicos e do empresário que agenciava para o cantor, um era o Netinho, outro, o Jair Rodrigues, outro, o filho do Jair Rodrigues. Estou falando de serem exatamente as mesmas pessoas; estou falando de não haver nenhuma diferença física. Quase me levantei quando me pareceu que o empresário iria começar a dizer "E deixe que digam, que pensem, que falem..."

domingo, 30 de novembro de 2008

The importance of being Earnest - Anthony Asquith


Minha opinião é a de que as peças do Oscar Wilde são um material melhor para uma leitura solitária, ensimesmada e contemplativa, do que para representação no estardalhaço de um palco. E que seja menos que ideal o resultado quando se quer passar a coisa para o cinema, isso, para mim, é algo que não necessita de maiores demonstrações.

Ninguém parece acertar bem a fluência com que certas frases precisariam ser ditas para se tornarem engraçadas. Nem mesmo atores e diretores ingleses dos anos 50. Talvez nem mesmo os atores e diretores da própria época em que foram escritas. Particularmente no caso do TIOBE, Jack e Algy, coitados, são vítimas de um verdadeiro massacre. Pensei isso quando assisti tanto à versão mais recente, que é bisonha, como também ao ver a mais antiga, que na melhor da hipóteses pode ser considerada monótona.

O texto, apesar de tudo, é esplêndido. Nota interruptiva de post para lamentar a eficiência da Domino's. Não foi dessa vez.

The duellists - Ridley Scott


Não sei se está dando para ler direito os versinhos de exortação na parte superior. Transcrevo: Fencing is a science. Loving is a passion. Duelling is an obsession. Alguém já os ridicularizou hoje mais cedo. Simplesmente transcrevê-los foi a fórmula que eu encontrei de também fazer isso. Mas acrescento o seguinte: o "loving is a passion" não tem absolutamente nenhuma relação com a trama do filme. Está aí apenas por se tratar de uma história de época. A frase mesma dificilmente faz algum sentido. Pois o que há de tão extraordinário, de tão singularmente amoroso ou apaixonante, num militar francês do final do século XVIII e início do século XIX se amancebar com uma mulher e depois -- ó, bela surpresa -- terminar se casando com uma outra?

Deixando isso de lado, porque o que importa aqui é o tratamento dado pelo filme ao tema dos duelos, posso dizer que existe uma inovação bastante peculiar em um dos combates que são mostrados. No duelo final se preferiram pistolas em vez de espadas. E não apenas um revólver com uma única bala na agulha. Cada duelista ficou com duas pistolas. Um deles, uma vez acordados os termos entre os assistentes, foi se esconder num bosque enquanto. O outro, enquanto isso, olhava na direção oposta. Depois, confusamente perambulando nas encostas de umas ruínas, cada um poderia atirar à vontade os dois únicos disparos. Quase um método de bang-bang, portanto.

Outro combate, mais plástico, digamos, aconteceu com os oponentes montando cavalos. Só que eles não tinham aquelas lanças medievais. De modo muito previsível, por isso, nenhum dos dois foi traspassado mortalmente. Mas algumas pessoas tomavam café da manhã numa mesa improvisada entre as árvores. Eu me pergunto se alguma delas fez piada, pedindo para outra que, por favor, passasse o presunto.

sábado, 29 de novembro de 2008

Barry Lyndon - Stanley Kubrick


A primeira parte do meu estudo involuntário sobre o costume de resolver desavenças através de duelos. Provavelmente, uma vez que esta análise está sendo conduzida por pura coincidência e não atende a propósito algum, eu deveria ter tido mais cuidado em começá-la por um filme que não tivesse três horas de duração. Porque eu admito que experimento, agora, um pouco de enfaro desse assunto para o resto do final de semana.

De todo jeito, é até engraçado você pensar na restauração do duelo como o primeiro passo de um movimento capaz de aproximar nossa ética moderna, tão corrompida e pusilânime, do código de honra cavalheiresco de outras épocas da cristandade. O que eu não sei direito é o que as pessoas que têm escrito sobre isso, por mais unicamente cômicas que sejam suas intenções, entendem por duelo.

Lembro-me que os duelos de que eu mesmo participei seguiam um padrão muito restrito que nunca variava. Com as pistolas nas mãos, meu oponente e eu primeiramente nos colocávamos de costas, um bem próximo ao outro, e então contávamos, depois que o árbitro eleito nos autorizasse, dez passos. Vencia quem se virasse primeiro e acertasse os disparos imaginários no outro, o que era verificado na combinação "fazer o barulhinho do tiro com a boca" mais "apontar o dedo indicador numa direção mais ou menos aceita como a certa". Era mal visto quem se virasse antes do tempo, embora ninguém, nem mesmo o árbitro eleito, pudesse realmente fazer qualquer coisa sobre isso. Ao perdedor ressurrecto só restava desafiar novamente o perpetrador da grave ofensa e esperar por uma melhor sorte da próxima vez.

Cresci, no entanto, para ver outras formas de duelo bastante diferentes daquela com a qual eu estava acostumado. Sempre intrigado, jamais obtive respostas satisfatórias quanto à lógica desses outros sistemas. Lutas com espadas, por exemplo, me parecem a forma como neandertais embrutecidos resolveriam suas divergências. Não acho que elas guardem o verdadeiro espírito do duelo. Só vejo duelo na acepção honrada do termo quando, além de resolverem as próprias partes a sua disputa, a fórmula escolhida permita algum grau de opção. Quer dizer, você pode até se virar mais cedo e, com os seus tiros fictícios, matar facilmente o adversário. Mas se você fizer isso, ninguém ignora que o mérito da disputa será favorável ao suposto de cujus. Digo isso e fico muito tranquilo em relação à questão Buford Mad Dog Tannen versus Marty McFly/Clint Eastwood. Ali, é bom lembrar, o Marty claramente ofereceu uma espécie de faculdade ao Tannen. Tanto é que todo mundo fez um semblante consternado quando ele resolveu disparar impiedoso contra um Marty já inerme, já com a arma jogada ao chão. Ora, ninguém aceitaria como legítimo esse comportamento.

Em Barry Lyndon, que eu me lembre, aparecem três formas de duelo. Duas com armas de fogo e uma que nada mais é do que a velha briga de colina, ao melhor estilo do exército inglês do século XVIII, em que dois soldados basicamente se golpeiam com os punhos, dentro de uma rodinha formada pelos demais soldados. Os duelos com arma de fogo, ou melhor, a total inépcia e falta de emoção dos duelos com arma de fogo, é que me espantaram.

Num deles os oponentes se colocam a uma distância não maior que uns dez metros, um de frente ao outro. Ficam aguardando que os respectivos assistentes carreguem o revólver com pólvora. Depois disso, o árbitro pergunta se os duelistas estão prontos; com a resposta de que sim, estamos prontos, o árbrito pede que eles destravem o gatilho e mirem o oponente. Até esse momento, portanto, literalmente nenhuma ação relevante. Estando os dois com as armas apontadas, o árbitro pega um lencinho branco e anuncia que irá deixá-lo cair depois que contar até três. Ainda nenhuma ação. Começa a contagem, cai o lencinho e então chega o momento catártico dos tiros. Dos dois únicos tiros, quer dizer. Cada oponente atira uma vez, até porque só existe uma bala na agulha. Depois se vai investigar qual deles sobreviveu. Se alguém morreu, ótimo. Do contrário, o enfadonho ritual prossegue até o infinito.

O outro duelo com arma de fogo me pareceu ainda mais estúpido e sem sentido. Onde já se viu um duelo começar com uma moeda sendo atirada ao alto, o desfecho da contenda dependendo do lado da moeda que cair virado para cima? Tudo bem que isso não é tudo. Mas, não adianta: na minha cabeça isso não entra como uma maneira briosa de se dar solução a um agravo. Bom, voltando ao que eu estava dizendo, o duelo começa com um cara-ou-coroa. Lançada ao alto a moeda, quem acertar o cara-ou-coroa ganha o direito de atirar primeiro. Os duelistas ficam novamente um de frente para o outro, novamente numa distância muito curta. Um deles, o que venceu o cara-ou-coroa, repito, tem o direito de atirar primeiro. Se logo no primeiro tiro o outro morrer, então é isso, screw you guys, I'm going home. A obtusidade desse sistema é algo que não consigo explicar.

Vocês sabem o que é feito para que sejam diminuídas as chances do duelo terminar logo no primeiro tiro? Sabem qual é o outro grande catalisador da emoção nesse duelo, além do cara-ou-coroa? Supostamente para dizer que não é líquido e certo que o duelo vai acabar logo no primeiro tiro, e que o perdedor do cara-ou-coroa não foi vítima de um perfeito faux pas, eles deixam que ele tome a eficientíssima medida de proteção consistente em não ficar de peito aberto para receber o tiro; num ato de camaradagem, permitem que ele fique de perfil, de modo que o projétil que lhe atravessará os tímpanos -- no caso de uma sorte invulgar, isso é -- lhe deixe apenas surdo, em oposição a morrer instantaneamente com a face desfigurada.

O Triângulo das Bermudas, a história incrível de estranhos e inexplicáveis desaparecimentos - Charles Berlitz


Que acaba enumerando as provas inequívocas da existência do continente perdido de Atlântida, suas maravilhas naturais, população ultracivilizada de íntima conexão com criaturas de outros planetas preocupadíssimas com os avanços nucleares da humanidade e com a iminente aniquilação total que ela está prestes fazer recair sobre si mesma. Passando pela minuciosa descrição das espetaculares aventuras dos ancestrais indianos, narradas no Mahabharata, o primeiro registro escrito de máquinas-mais-pesadas-que-o-ar utilizadas na invasão ariana ao subcontinente indiano pelo norte, há coisa de 12 mil anos. Incidentalmente noticiando o sumiço dos aviões integrantes do Vôo 19, nas proximidades da costa da Flórida, alguns meses após o fim da Segunda Guerra Mundial, sugados por um vórtice de aberrações eletromagnéticas.

No final das contas eu recomendo este livro. Gostei do estilo do Berlitz. Já li coisas muito mais desinteressantes como idéias, sustentadas muito mais pobremente.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

sábado, 22 de novembro de 2008

Death proof - Quentin Tarantino


Numa palavra, sinto que me foi feito um ato de gentileza pessoal, mais um entre os muitos que eu não mereço. Humildemente agradeço a todo o elenco, ao diretor e à pessoa que me recomendou este filme: muito obrigado. Vou assistir novamente a mais umas cenas antes de escrever qualquer coisa. Acho que eu poderei compensar a perda da emoção súbita e espontânea com a apresentação estudada de alguns detalhes que de cabeça, agora, eu não vou me lembrar.

Antes, um aviso. Eu cheguei a escrever alguns parágrafos que estão depois do três pontinhos com a esperança de, no final, encontrar um jeito de concatená-los de acordo com o desenvolvimento da trama. Isso até que não seria uma tarefa muito difícil, porque Death Proof, querendo ou não, é bem menos vai-e-volta do que outros filmes do Tarantino. Acabei modificando o meu plano, contudo, diante da impossibilidade de assistir novamente a várias cenas do filme sem querer ficar colocando aqui apenas uns trechos, umas frases que tenham me impressionado de alguma forma, por qualquer motivo. De maneira que cederei a essa tentação. Na maioria dos casos elas parecerão muito soltas e ilógicas para quem não assistiu ao filme, e mesmo para quem já o conhece, mas não se lembra com exatidão de todas as palavras. Para resolver parcialmente esse problema, faço-lhes o sumo obséquio de indicar o tempo no relógio em que elas foram ditas. Não me peçam mais.

***

53min 05ss

"Well, what we've got here is a case of vehicle homicide..." Digam o que quiserem da linguagem jurídica, mas que ela às vezes dá uma nome massa a algo que do contrário seria apenas uma atrocidade inominada, isso ela faz. Massa e, ao mesmo tempo, técnico. Vehicle homicide... alguém consegue pensar num jeito melhor de descrever um homicídio cometido com a utilização de veículo?

38min 01ss

"I actually have a book". Muito antes de Stuntman Mike (Kurt Russell) dizer isso, querendo passar a impressão de que, no livro que ele do nada tira do bolso, ele realmente vai anotando o nome de pessoas e coisas que o agradam e importunam, muito antes disso já dá para perceber que o sujeito é esquisito. E como diria o meu avô, todo cuidado com o esquisito. Fiquei rindo sozinho por alguns instantes, de modo bem idiota até, quando me lembrei do episódio de South Park em que ele (de novo, Kurt Russell) aparece como a solução encontrada pelos generais do exército americano para livrar o mundo de uma grande hecatombe que está acontecendo na Imagination Land. Ele é mandado nessa missão suicida para enfrentar uns bichos de pelúcia malignos que tomaram conta de um território e, chegando lá, é estuprado. Por delicadeza, Trey Parker e Matt Stone não mostraram a cena da violação íntima, mas nos fizeram escutar gritos desesperados de "I'm being raped, i'm being raped! Oh my God, I'm being raped". Nada muito mórbido e doentio, é claro. Material certo para uma anotação no livrinho vermelho, eu acho.

45min 40ss

"I'm afraid you're gonna have to start gettin' scared... immediately"
Essa dispensa qualquer glosa.

27min 13ss


- Hey, Warren, who is this guy?
, perguntou despreocupadamente, mas não sem algum interesse na resposta, levantando a mão com um gesto e apontando para aquele homem que vestia uma jaqueta tão indecorosa. Ela ignorou momentaneamente aquela presença incômoda, desviando um pouco os olhos para a direita e procurando Warren, como se aquele fosse o único jeito de restaurar a ordem das coisas, tão perturbada que ela fora por aquele sujeito se apresentando para as pessoas que perguntavam o seu nome como Stuntman Mike. Warren, que em momento algum largou o pano que tinha nas mãos e deixou de limpar o vidro do congelador onde ficavam as bebidas de maior saída no bar, respondeu secamente:
- Stuntman Mike.
Agora já um pouco tocada pela resposta que lhe parecia extremamente banal para uma pergunta que, para ela, não era assim tão sem sentido, prosseguiu exaltada:
- And who the hell is Stuntman Mike?
Warren, inalterável, repetiu:
- He's a stuntman.

01h 27min 11ss
- What's a cheerleader movie?
- It's a movie about cheerleaders.

1492 - Vida e tempos de Juan Cabezón de Castela - Homero Aridjis


Disclaimer: Leia novamente. É 1492. Mil quatrocentos e noventa e dois. Descoberta da América. Tomada de Granada pelos reis católicos. Expulsão dos judeus do território espanhol. Não Pearl Harbor. Não aquele joguinho do Phantom System.

***

De tempos em tempos a sabedoria fútil adquirida em nove temporadas de Seinfeld é colocada em causa. E às vezes o caso é difícil.

A certa altura do livro, por exemplo, chega-se ao dilema de se decidir qual é a pior parte de ser cego. Um dos personagens principais, Pero Meñique, perdeu a visão num duelo ou quando foi feito prisioneiro por um inquisidor, eu acho. Aproveitando-se disso para opinar em todos os assuntos relacionados à cegueira, várias vezes ao longo da história ele dá o seu testemunho. Não podemos deixar de reconhecer que ele tem algum conhecimento sobre a matéria. De outro lado, Jerry dispõe de todo tempo do mundo para abstrair quaisquer preocupações e se dedicar a um único pensamento, por mais anódino que seja. De modo que o resultado dessas duas circunstâncias, no ponto que estou discutindo, é o do mais absoluto equilíbrio.

Jerry, todos sabemos, sustenta que a pior parte de ser cego é não ser capaz de dizer se a sua comida está infestada de bichos, insetos. Não se poderia jamais saborear uma refeição, prossegue ele, sendo necessário constantemente ficar sentindo os lábios e a língua. O argumento é forte e bastante singular, para não dizer incontestável.

Já Pero Meñique, que, lembremos, é cego, tem uma opinião mais trivial. Para ele, a pior parte de ser cego é cair duas vezes no mesmo buraco. No entanto, ficamos sem saber até que ponto essa opinião é influenciada pelo fato dele ser não apenas cego, mas mendigo de ofício, e não apenas profissional da mendicância, mas pedinte em Madrid - no século XV, ainda por cima. Não podemos afirmar que a quantidade de buracos nesse cenário tenha sido irrisória, nem de que forma a psicologia humana se comportaria no caso de tombo repetido num mesmo lugar. Só podemos afirmar que não importa qual tenha sido a quantidade de buracos, Pero Meñique é candidato a ter sido um dos seus mais assíduos frequentadores. E esse mero fato já é algo que não pode ser ignorado.

Como diria Neo, não estou aqui para dizer como esse dilema termina. Estou aqui apenas para dizer que ele começou.

***

Transcrevo uma das minhas passagens favoritas no livro, uma das muitas engraçadas que aconteceram ao bom Juan Cabezón e a Pero Meñique, ao andarem pelos quatro cantos dos reinos espanhóis. Era uma espécie de feira. Haveria um auto-de-fé, o que naqueles dias significava um dia de festa:

"(...) Um chocarreiro, com o rosto e as mãos pintados de preto, apontou para um anão ancião, de grande cabeça e corpo minúsculo, com gibão pardo, calças pardas, sapatos de sete solas pardas e um espadão de ferro maior do que ele. Disse:
-- Dom Luis Montaña el Abulense, que regressou a Ávila antes de sair de viagem e depois de morto voltou para levar o corpo. É fama que ganhou a vida como bufão vestido de dama, com um chapéu de infante de metade de sua cabeça e uns sapatos quatro vezes seus pés. Dizem que aos dez anos caiu de mau jeito e se levantou aos trinta e seis do mesmo tamanho. Mas, muito apaixonado, casou-se com três camponesas, que o deixaram liso, as três trigêmeas Ana, Juana e Susana. Grande imitador de pessoas, é remédio para contra melancolias e mezinha para aflições, se o beberem bem espremido."

Vicky Cristina Barcelona - Woody Allen

Ainda não cheguei ao ponto de sentir vergonha por continuar gostando dos filmes do W.A. Desde aquela cena da Juno, é verdade, tenho me esforçado para não me mostrar um entusiasta tão confirmado, mas é sem muito sucesso que eu busco passar essa impressão. Sem muito esforço, também. Porque, no fundo, continuo experimentando o mesmo tranquilo deslumbramento com os seus filmes, e continuo gostando da idéia de que existe uma espécie de quieta, porém não menos divertida, compreensão das coisas que acontecem com as pessoas. Uma compreensão, eu acho, que ele tem bastante aguda, e que ele sabe demonstrar muito bem na forma de uma comédia de 90 minutos - ainda que apenas pelo absurdo, inverossímil e completamente distante do que poderia ser considerado a minha realidade. Ou a realidade brasileira.*

*[Sempre que ouço alguém dizer que uma coisa deixa de ser boa ou ruim apenas porque tomada em comparação com a realidade brasileira, lembro-me daquela máxima segundo a qual uma discussão mais rapidamente se aproxima da esquizofrenia delirante, quanto mais cedo uma das partes que discutem é comparada a Hitler.]

Senti falta dele como narrador. Confesso que até agora eu ainda não encontrei um motivo razoável o suficiente para que ele mesmo não apresentasse os personagens usando aquele monte de advérbios que ele costuma usar. Por ter chegado um pouco em cima da hora no cinema, tendo sentado na cadeira no preciso momento em que o famoso "Written and directed by Woody Allen" dos créditos desaparecia sob o fundo escuro para dar lugar, eu acho, à primeira tomada de Barcelona, senti falta também de praticar o meu velho hábito de ficar tentando reconhecer os nomes dos membros da equipe de filmagem. Sempre me lembro de uma tal de Rosenthal. Na pressa para sair da sala, igualmente, não fiquei até o final e não olhei com atenção para a informação da trilha sonora.

Na crítica que saiu da Veja algumas semanas atrás, o maior elogio que foi feito ao filme foi o de que era uma celebração à força do acaso. Como se uma ulcerada ser acometida por uma crise estomacal, depois de largamente se servir de tudo quanto é bebida alcoólica, fosse realmente uma obra do acaso. Mas estou sendo injusto. Confiro na revista, e uso aspas para citar, que o que realmente se quis enaltecer foi a atitude de se sujeitar à sorte, de "abraçar o inesperado" como um "emblema do imprevisto", tudo para transformar o postulado cartesiano em "me arrisco, logo existo". Tá bom.

O ponto mais baixo do filme foi o tal do violão catalão. Por duas vezes, eu acho, fui obrigado a ficar escutando um sujeito tocar violão para uma rodinha de pessoas maravilhosas que se espalham pelo chão e fazem uma cara de quem está se lembrando de coisas funestas. Deixam cair lagriminhas e saem de lá perturbadas. O próprio sujeito que está tocando tem o semblante amargurado de um cantor sertanejo, com direito a cabelo penteado e tudo. Eu gostaria de pensar que essas cenas foram uma piada, e não uma homenagem ao Pedro Almodóvar, mas, afinal, a quem eu estaria enganando?

Escolho como ponto alto, bem a esmo e sem qualquer intenção previamente concebida, uma das três mulheres estonteantes. Uma foto só não bastará.




Tal como foi mostrada, e já termino, Barcelona pareceu ser uma cidade muito bonita. Dizem que sofreu uma reforma urbanística para receber os Jogos Olímpicos. Mas é claro que os ambientes internos também ajudam.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

icloud

Nas palavras de uma das criadoras, é um desktop online.

E já que eu voltei aqui para corrigir o link - que agora já está correto - deixe-me juntar a este breve comentário umas poucas palavras a mais. Ao que parece, não adianta chegar lá de Firefox que você será barrado. Pelo menos por enquanto, só dá para acessar o serviço com o Explorer. Para vocês terem uma idéia:

domingo, 16 de novembro de 2008

Lead Balloon


É uma pena que eu escreva tão laconicamente sobre uma das minhas melhores descobertas do ano, pois gostei muito mais dessa série do que esse post ligeiro dá a entender. Imaginem a versão britânica de Curb your Enthusiasm. Agora, comemorem.

domingo, 2 de novembro de 2008

Breakfast at Tiffany's - Blake Edwards

Dormi. Aquele vizinho japonês não ajudou muito. Se dependesse da parte a que eu assisti, o nome do filme seria Dinner (on the day before) at Tiffany's.

Once upon a time in America - Sergio Leone

É impossível escrever qualquer coisa que, na extensão, seja proporcional à duração desse filme. São dois dvd's de quase duas horas cada um. Uma coisa a respeito da qual eu posso comentar, e nisso eu cobrirei mais ou menos um quarto do filme inteiro, é a gaita que um dos personagens tem sempre nas mãos e que toca em alguns momentos críticos. É quase a mesma gaita que o Charles Bronson recebeu do assassino do seu irmão, em C'era una volta il West, e que ele toca nas horas livres, isto é, nos segundos que antecedem um tiroteio.

Quer dizer, o som mesmo que é produzido pelos dois instrumentos até que é diferente; a do Bronson me fez lembrar Muddy Waters e alguns blueseiros de Chigaco; a outra talvez não seja tecnicamente uma gaita, mas um aparato com uns canos, o seu som se parecendo com o de uma Peruvian Flute Band, tal como eu as conheço dos últimos episódios de South Park.

Certa passagem do filme mostra os membros da gangue depositando parte do dinheiro arrecadado na delinqüência numa mala de couro. Por sua vez, a mala é colocada num guarda-volumes de uma estação. Até pouco tempo na história da civilização ocidental, essa parecia ser uma prática bastante comum. Eu me pergunto se tem gente ainda escondendo dinheiro, ou microfilmes que sejam, nesses lugares. Isso, e se tem gente resolvendo crimes seguindo a pista deixada por uma caixinha de fósforos.

Dan in real life - Peter Hedges


Em nenhum ponto da história Steve Carell se acomoda desse jeito sobre um montinho de panquecas. Essa foto é meramente ilustrativa de um estado mais ou menos lamentável de depressão e infelicidade.

O que é, de resto, altamente provável, ou pelo menos compreensível, se você é um viúvo que depois de quatro anos de penúria sentimental se apaixona pela namorada do seu irmão, esse último simplesmente o paroxismo da felicidade humana na Terra -- Dane Cook himself. Essa é a história do filme. E que a certa altura os dois irmãos cantem, num mesmo palco, e para a mesma mulher, Let my love open the door, meio que definitivamente explica de que tipo de filme estamos falando. Como se não bastasse, é claro, a cena final, os créditos já aparecendo na tela, de um casamento.

A coisa mais legal do filme, sem dúvida, é a casa dos pais. A segunda mais legal foi a idéia que eu tive ao ver o povo jogando boliche, uma idéia infalível para derrubar todas as garrafinhas. Algum dia, quando eu estiver em periclitância num jogo de boliche, colocarei essa idéia em prática.

Clockwise - Christopher Morahan


Mais um com John Cleese. Um pouco atrapalhado pelo fato dele ser o único ator do filme com alguma inclinação para a comédia. Os outros, embora ocasionalmente atraídos por situações cômicas, não acrescentam nada que se poderia considerar um estilo próprio.

A história tem uma coisa que eu sempre admiro, que é se desenvolver em torno de um único evento, um único pretexto. Tudo num só dia. O McGuffin, se assim pode ser considerado, é a reunião dos diretores das escolas de elite da Inglaterra, na qual o personagem do J.C fará o seu primeiro discurso como chairman. É para essa ocasião que ele se atrasa.

Eu não conhecia o hino religioso que algumas vezes é cantado no filme -- He who would valiant be. Achei muito bonito, na letra e na melodia. Me lembrou da cena na capela, em The man who knew too much, onde se canta um hino parecido.

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Radio Days - Woody Allen



Cheio de cenas com várias pessoas falando ao mesmo tempo, normalmente discutindo recreativamente sobre uma ninharia insignificante. Várias ninharias insignificantes, aliás, cada uma apenas incidentalmente relacionada com as outras que estão sendo discutidas pelas pessoas sentadas ao lado. De alguma forma, no entanto, isso não é retratado da maneira grotesca e irritante com que acontece na vida real. Na minha opinião, conseguir esse resultado é uma das habilidades mais notáveis e meritórias do Woody Allen.

Quem sabe um dia alguém das gerações mais novas poderá fazer um filme sobre como uma trilha sonora em particular influenciou a sua vida e sobre como memórias bastante caras lhe são reavivadas a cada vez que ouve novamente uma velha canção. A oportunidade para que isso aconteça, naturalmente, é muito maior hoje em dia do que era na época em que se escutava música só quando se estava em casa. E olha que os dias do rádio ainda eram bem mais prolíficos, nesse ponto, do que, digamos, tudo que aconteceu na Terra antes do rádio ser inventado. Alguma dúvida, por exemplo, de que eu já ouvi o Liebestod no meu celular muito mais do que o número de vezes em que ele foi executado durante a vida inteira de Wagner?

Ao contrário do que usualmente acontece em outros filmes, quando ele fica de narrador só bem no início e depois parece se esquecer por completo da idéia, aqui o W.A segue até o final com o mesmo padrão: descrevendo com um ou outro eufemismo delicado uma cena que a imagem mostra ser precisamente... merecedora de um eufemismo delicado.

Termino elogiando o Seth Green no papel do infante Allen. É legal quando o pai dele fica indignado e começa a dar tapas nele, perguntando por que ele não poderia ser um gênio.

30 Rock - Do-over


Primeiro episódio da terceira temporada. Simpático o suficiente para que eu não pare de acompanhar a série justo a partir de agora. Coincidência o fato da história mostrar a Lemon tentando adotar uma criança, coisa que também aconteceu no episódio de House dessa semana, com a Cuddy. A diferença é que, no caso da Cuddy, o House um pouco facilmente demais detectou que ela no fundo estava com medo de levar a adoção a sério - e por isso ele ficou utilizando formas de psicologia para atrapalhar -, ao passo que, com a Lemon, o pessoal do trabalho ficou atrapalhando simplesmente sendo os asnos que de ordinário eles são.

Não dá para comparar, infelizmente, a presença do Seinfeld no primeiro episódio da segunda temporada, por breve que ela tenha sido, com a comparativamente vápida Megan Mullally, no papel da avaliadora da agência de adoção. O que dá para fazer é parar e pensar no que o Jack (Alec Baldwin) diz para a Lemon no final, sobre não nos arrependermos de seguir o semi-virtuous path. Talvez já seja mesmo alguma coisa, afinal.

The last lack all conviction

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Sour grapes - Larry David


Escrito e dirigido por Larry David - um filme dificilmente poderia ter credenciais melhores do que essas, poderia? Leio umas críticas bastante desfavoráveis na internet, mas atribuo a insatisfação desse povo mais a uma decepção pelo fato do filme não ser um novo Seinfeld do que a uma inconsistência artística mais propriamente considerada.

A história se parece muito com um episódio de Curb Your Enthusiasm, na parte em que se aproveita de uma pequena trivialidade para em torno dela criar uma série de obsessões frívolas. O caso é o desses dois primos que vão passar um final de semana em Atlantic City, um deles ganhando um prêmio numa máquina de caça-níqueis com as moedinhas fornecidas pelo outro.

É difícil dizer qual dos dois tipos melhor representa o próprio Larry -- um, o dono de um espírito mais leve e de uma bonomia mais visível, subitamente agraciado pela sorte; outro, um sujeito mais complexado, vítima de um grande azar, que sempre poderá se queixar de alguma coisa para a qual as outras pessoas não estão dando muita bola.

Gostei de todos os personagens do filme. Da mãe exageradamente preocupada com todas as minúcias da vida do filho. Da namorada muito brava e crítica, ocasionalmente também muito conscienciosa. Do chefe original nas suas manias -- talvez o diálogo mais característico do tipo de humor do Larry David, não à toa interpretado por aquele sujeito que fez o papel do fiscal da biblioteca num episódio do Seinfeld. Da secretária impaciente. Do ator estúpido, protagonista de uma série chamada Guys and Gals, o insulto que Larry David houve por bem fazer a Friends. Do mendigo aproveitador. O próprio Larry David aparece, o que é sempre legal.

A trilha sonora também merece destaque. Tem Dean Martin, Beethoven, Mozart, Bach, a turma toda.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

No Municipal

Algo que encontrei no DVD antigo.

***

Estive na reabertura da temporada do Theatro Municipal deste ano. Foi em meados de março, com a apresentação do oratório de Beethoven, Cristo no Monte das Oliveiras. Eu poderia parar por aqui. Continuo apenas para registrar uma impressão não exatamente elegante como todas as que eu guardo daquela noite, mas no fundo bastante recreativa. Na meia hora que antecedeu a apresentação eu rapidamente conheci o senhor sentado ao meu lado e conversei com ele. Tive, ainda, a chance de o ver conversando com outras pessoas e pude perceber, de um ponto de vista puramente estatístico, o quão extraordinário era esse senhor.


Não me lembro do nome dele; possivelmente sequer nos apresentamos. Sentou-se ao meu lado no Balcão Nobre. Era um senhor de aspecto mirrado, macilento. Sugeria, como de fato era, o tipo perfeito e acabado de um ex-funcionário de Banco, mas nem por isso era uma completa nulidade como pessoa. Tinha uma engraçada, um pouco acerba, impaciência com as pessoas.


A sua existência, segundo me narrou, seguira um curso muito tranqüilo, como se não houvesse outro jeito de começar e se desenvolver. Notei uma placidez de vontade, se é que essa expressão faz algum sentido. Acho que não faz. O que quer que eu tenha notado, de todo jeito, se manifestou com maior força no modo como ele me informou sobre uma série de circunstâncias da sua vida. Foi com muita naturalidade, e expondo os fatos sem ordem alguma, aleatoriamente, emendando a um assunto outros que nada tinham a ver, como o aniversário de sua neta à discussão sobre a hora certa de se bater palmas num concerto.


Eu juntei mais ou menos estes dados. Passara toda a vida trabalhando numa mesma agência do centro da cidade, onde hoje funciona uma loja de telefonia celular. Desempenhara seu ofício com alguma dedicação e quase nenhum talento. Vagarosas e inevitáveis promoções o haviam levado ao cargo de sub-gerente, função em que alguém do sindicato o convencera a se aposentar mediante um benéfico acordo. O piano que possuía fora comprado à época, com o dinheiro que recebeu por ocasião do ajuste. Ele me disse que aquilo era um grande sonho.


A conversa desceu a detalhes de sua criação com seu pai, viúvo boticário. Por causa dessa condição, praticamente não teve convivência familiar; seus gostos assim como suas maneiras foram sendo adquiridos ao acaso. Foi assim com a música, por exemplo. Um membro da Banda da Polícia lhe ensinou as primeiras lições dos instrumentos de sopro e um pouco sobre pratos. Aprendeu e tomou gosto. Experimentou, também, o canto; largou-o quando constatou que só era capaz de executar músicas populares e que o repertório clássico estava muito além de suas aptidões. Foi, então, aprender a ler partituras, sozinho; mais tarde, quando se mudou de uma cidade do interior de Minas Gerais para Rio de Janeiro, chegou a se matricular num Conservatório. Finalmente, pensou, poderia aprender a tocar o nobre piano. A escolha, naturalmente, era a mais concorrida, precisava se submeter, inclusive, a uma prova. Como se preparar e conseguir passar, se até ali ele mal tinha encostado num piano? Sua única chance era se esforçar para exibir tudo que sabia de teoria musical, e simular umas e outras passagens de dedo. Simulou até que bem, achava, pois acabou passando.


Uma vez matriculado, no entanto, o problema da falta de piano permaneceu um inconveniente. Foi levando com a barriga, com toda sorte de reprimendas do professor, um homem que havia se casado três vezes; até que, depois de algumas semanas, arranjou um teclado para praticar as lições: um teclado, entretanto, absolutamente defeituoso.


Aos poucos, foi desistindo. Na cabeça ele tocava muito bem todas as músicas, e era um excelente assobiador, só as mãos é que não tinham qualquer técnica. Talvez tivesse até se saído melhor se possuísse um piano; mas a vida se encarregou de afastá-lo do sonho. "Me deram um trabalho de escrever no banco; escrevia à mão mesmo. E tinha que ser rápido. Você faz idéia do que é registrar todas as saídas e entradas de dinheiro de um Banco? Em três vias? Minha mão ficava doendo e eu chegava em casa e colocava compressa de água quente. Ia tocar piano?"


Tinha seus setenta e poucos anos, perceptíveis na pele enrugada e cheia de pequenas e coloridas bolotas, na saliência de veias levemente esverdeadas nas mãos, nos dentes amarelados, na camisa de botão colocada para dentro da calça caqui. A calvície já lhe levara todos os fios de cabelo localizados acima da linha das orelhas; os que sobraram eram artificial e grotescamente tingidos de preto. De todo o corpo exalava odor característico da idade, em geral fraco, mas um tanto incômodo na modalidade específica de mau hálito – em alguns momentos, eu prendia a respiração para evitar o péssimo cheiro. Sorte que ele costumava falar quase sempre olhando para as direções, indiferente ao fato de eu estar, sem me mover, à sua esquerda.


Eu tinha lá comigo uma impressão do libretto, que encontrei no Google e imprimi. Começamos a conversa criticando-o, coisa que o próprio Beethoven havia feito. Nele, Jesus canta feito um personagem qualquer, o que se reconheceu não ficar bem; Nosso Senhor tinha saído muito humano e pouco Senhor. Além disso, a letra, composta por Franz Xaver Huber, acho que com assistência do próprio Beethoven, é de espantosa pobreza poética, quase cretina e certamente enfadonha – a ponto de terem desejado reescrevê-la totalmente. Beethoven, que lamentava o texto e concordava com as críticas, acabou por não mexer com reescrita – dizia que a música tinha sido feita para aquelas exatas palavras e que alterá-las seria pior. Parece, também, que eles estavam com um calendário apertado.


Eu disse a ele que eu tinha estudado música quando pequeno e que chegara a tocar piano decentemente. Disso e das delícias usuais de se saber música, tornamos a Beethoven. Que gravações da Nona conhecíamos? As sonatas, o concerto do Imperador, o Minha Amada Imortal. Chegamos a Wagner, que foi onde eu parei. Ele ainda foi ao balé, aos tempos em que para entrar no teatro só com terno e gravata; fez um vôo horizontal, razoavelmente informativo, sobre a programação especial em homenagem a Mozart, as apresentações gratuitas da orquestra da Petrobrás®...


Conversávamos fluentemente, ele com total desembaraço, eu mais ouvindo, quando alguém da orquestra soltou uma nota mais longa, que sobressaiu entre as demais. Ainda não era o concerto. Os músicos só estavam brincando com os instrumentos. Esse ruído não foi acompanhado por nenhuma classe de agitação ou burburinho que indicasse qualquer coisa, todavia bastou para que uma senhora que estava na fileira debaixo da gente pensasse que o concerto estava começando – e ela falou ao senhor, com jeito educado, mas tratando-o como se fosse uma criança, se ele podia "ficar quietinho".


"Ficar quietinho? Pra quê?", respondeu irônico, "Eu vou falar! Tô conversando aqui, ora" completou como constatando um teorema matemático "Preciso falar!".


Eu já ia rindo do velhinho, no meu canto. Lembrei-me na hora de uma cena em que o George fica babando o ovo da Elaine "You´re the master of confrontation". Pois ele em nada ficava devendo à mulher que chegou a invadir o trabalho de uma pessoa só para mandá-la parar de falar sobre seus sapatos comprados, oh, na Botticelli! Eu já tinha achado o sujeito um espécime interessante; sua reação ao pito que lhe passara a mulher confirmava que ele era, ainda, notavelmente despeitado. Admirei.


Não se intimidando, dessa vez mais séria e talvez até rude, a mulher então disse "Tá começando, tá começando!" Fez com o dedo na boca "Shzzz", e voltou-se para o palco, dando o assunto por encerrado. Bom, na hora não atinei com o execrável insulto que acabara de ser perpetrado contra a gente. Confesso que não me dei conta instantaneamente do ultraje. Ainda achando graça na cena, fui fazer alguma coisa com a mochila, disfarçando.


Não é o que faria o meu companheiro de palestra; sublevar-se-ia contra a rebarbativa mulher, já com uma impaciência que não se mostraria evidente num funcionário de banco aposentado. Além do quê, acho que em algum momento ele teve a chance de olhar bem no rosto da mulher e investigar certas intenções que a mim escaparam. Eu não tinha percebido nada de especial nela, mas ele certamente havia farejado algo sórdido. Pois ele reagiu qual um urso, um velho e experimentado urso, de funesto instinto.


Repoltreou-se na cadeira fazendo gestos negativos com a cabeça, gestos que em retrospectiva eu considero completamente emblemáticos. Encolheu o pescoço, os ombros, baixou a cabeça, tudo isso numa expressão revoltada. "Tá começando?" Imagino que aquela frase ofendia tudo que ele achava correto nesse mundo; era aviltante, errada; negava-a com todas de suas forças interiores, como se ela estivesse a lhe roer por dentro. O vigor contido extravasou, então, para a imagem e os contornos do seu corpo, que flamejava contorcido. Eu não sabia que ele tinha isso nele. "Tá começando! Shzzz!" Quanta insolência!


A mulher, nessa hora, já olhava para frente e não viu aquele homem a rosnar de ódio. Não fosse a estreiteza da fileira dos assentos, acho que ele teria avançado sobre ela. Mesmo com as dificuldades de movimento impostas pelo guarda-chuva que ele tinha sobre as pernas, ele deu umas cutucadas nela e bravejou: "Que começou o quê! Começou nada! Cadê o regente? Cadê o regente? O regente nem entrou ainda... Tá vendo ali? Cadê o regente?"


A advertência foi recebia pela mulher com atonia. Algumas pessoas chegaram a se virar para ver direito o que estava acontecendo, mas a escuridão que recobria os assentos não permitia que muita coisa fosse vista. Quanto a este ponto em particular, eu estava numa posição privilegiada porque eu via, num mesmo plano, a perplexidade da mulher e o ânimo do senhor. Era mesmo de se esperar que ela ficasse um pouco envergonhada. Mas eu tampouco sabia o que fazer. Fiquei quieto, me segurando para não rir escancaradamente. Foi mesmo muito divertido olhar para o palco, na direção em que ele apontava, e ver no lugar destacado um eloqüente vazio. "Cadê o regente?" Vi que ele me olhava e se ria, o que eu teria percebido, de todo jeito, com as pancadinhas que me dava; olhei e também ri. E então entre desdenhoso e gozador, disse finalmente para a mulher "Você sabe o regente?", e depois de uma breve pausa, aniquilou "o r-e-g-e-n-t-e?".


Nesse momento, a mulher se levantou e começou a bater palmas. Ela e todas as pessoas por perto; e finalmente, todas as pessoas do teatro fizeram o mesmo, com entusiasmo e emoção. Eram os membros do coro que entravam. Quero dizer que, para mim, a senhora se aproveitou um pouquinho da situação para ignorar o meu companheiro, que ainda repetia absorto "Não chegou ainda o regente! Eles estão batendo palma pra quem?". Irritado, contudo, por ver que suas palavras de zombaria não mais afetavam a mulher, ele se deteve. Com descaso esticou o pescoço e viu o pessoal do coro entrando. Eu permaneci imóvel, pensando que ele pudesse puxar a mulher pelo pescoço para avisar que o regente ainda não tinha aparecido. Vendo que ninguém já o olhava, aumentou o tom de voz, mas ficou dizendo para si: "Tsc, brasileiro não sabe nada mesmo! Bater palmas para o coro? Tá errado, tá errado! Tem que esperar o regente, ora! Brasileiro não sabe nada, antigamente não tinha disso...".


Meti-me com a minha mochila. Eu sei lá se o coro pode ou não receber uma salva de palmas? E dado que sim, não seriam as minhas, tão fraquinhas e apáticas, que fariam diferença. De toda forma, eu não queria me juntar aos outros, e o certo é que eu não faria nada à vista dele. Ambos ficamos sentados. "Tenho que ligar para a minha neta em Belo Horizonte, quinze anos!", disse ele.

 
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