sábado, 29 de novembro de 2008

Barry Lyndon - Stanley Kubrick


A primeira parte do meu estudo involuntário sobre o costume de resolver desavenças através de duelos. Provavelmente, uma vez que esta análise está sendo conduzida por pura coincidência e não atende a propósito algum, eu deveria ter tido mais cuidado em começá-la por um filme que não tivesse três horas de duração. Porque eu admito que experimento, agora, um pouco de enfaro desse assunto para o resto do final de semana.

De todo jeito, é até engraçado você pensar na restauração do duelo como o primeiro passo de um movimento capaz de aproximar nossa ética moderna, tão corrompida e pusilânime, do código de honra cavalheiresco de outras épocas da cristandade. O que eu não sei direito é o que as pessoas que têm escrito sobre isso, por mais unicamente cômicas que sejam suas intenções, entendem por duelo.

Lembro-me que os duelos de que eu mesmo participei seguiam um padrão muito restrito que nunca variava. Com as pistolas nas mãos, meu oponente e eu primeiramente nos colocávamos de costas, um bem próximo ao outro, e então contávamos, depois que o árbitro eleito nos autorizasse, dez passos. Vencia quem se virasse primeiro e acertasse os disparos imaginários no outro, o que era verificado na combinação "fazer o barulhinho do tiro com a boca" mais "apontar o dedo indicador numa direção mais ou menos aceita como a certa". Era mal visto quem se virasse antes do tempo, embora ninguém, nem mesmo o árbitro eleito, pudesse realmente fazer qualquer coisa sobre isso. Ao perdedor ressurrecto só restava desafiar novamente o perpetrador da grave ofensa e esperar por uma melhor sorte da próxima vez.

Cresci, no entanto, para ver outras formas de duelo bastante diferentes daquela com a qual eu estava acostumado. Sempre intrigado, jamais obtive respostas satisfatórias quanto à lógica desses outros sistemas. Lutas com espadas, por exemplo, me parecem a forma como neandertais embrutecidos resolveriam suas divergências. Não acho que elas guardem o verdadeiro espírito do duelo. Só vejo duelo na acepção honrada do termo quando, além de resolverem as próprias partes a sua disputa, a fórmula escolhida permita algum grau de opção. Quer dizer, você pode até se virar mais cedo e, com os seus tiros fictícios, matar facilmente o adversário. Mas se você fizer isso, ninguém ignora que o mérito da disputa será favorável ao suposto de cujus. Digo isso e fico muito tranquilo em relação à questão Buford Mad Dog Tannen versus Marty McFly/Clint Eastwood. Ali, é bom lembrar, o Marty claramente ofereceu uma espécie de faculdade ao Tannen. Tanto é que todo mundo fez um semblante consternado quando ele resolveu disparar impiedoso contra um Marty já inerme, já com a arma jogada ao chão. Ora, ninguém aceitaria como legítimo esse comportamento.

Em Barry Lyndon, que eu me lembre, aparecem três formas de duelo. Duas com armas de fogo e uma que nada mais é do que a velha briga de colina, ao melhor estilo do exército inglês do século XVIII, em que dois soldados basicamente se golpeiam com os punhos, dentro de uma rodinha formada pelos demais soldados. Os duelos com arma de fogo, ou melhor, a total inépcia e falta de emoção dos duelos com arma de fogo, é que me espantaram.

Num deles os oponentes se colocam a uma distância não maior que uns dez metros, um de frente ao outro. Ficam aguardando que os respectivos assistentes carreguem o revólver com pólvora. Depois disso, o árbitro pergunta se os duelistas estão prontos; com a resposta de que sim, estamos prontos, o árbrito pede que eles destravem o gatilho e mirem o oponente. Até esse momento, portanto, literalmente nenhuma ação relevante. Estando os dois com as armas apontadas, o árbitro pega um lencinho branco e anuncia que irá deixá-lo cair depois que contar até três. Ainda nenhuma ação. Começa a contagem, cai o lencinho e então chega o momento catártico dos tiros. Dos dois únicos tiros, quer dizer. Cada oponente atira uma vez, até porque só existe uma bala na agulha. Depois se vai investigar qual deles sobreviveu. Se alguém morreu, ótimo. Do contrário, o enfadonho ritual prossegue até o infinito.

O outro duelo com arma de fogo me pareceu ainda mais estúpido e sem sentido. Onde já se viu um duelo começar com uma moeda sendo atirada ao alto, o desfecho da contenda dependendo do lado da moeda que cair virado para cima? Tudo bem que isso não é tudo. Mas, não adianta: na minha cabeça isso não entra como uma maneira briosa de se dar solução a um agravo. Bom, voltando ao que eu estava dizendo, o duelo começa com um cara-ou-coroa. Lançada ao alto a moeda, quem acertar o cara-ou-coroa ganha o direito de atirar primeiro. Os duelistas ficam novamente um de frente para o outro, novamente numa distância muito curta. Um deles, o que venceu o cara-ou-coroa, repito, tem o direito de atirar primeiro. Se logo no primeiro tiro o outro morrer, então é isso, screw you guys, I'm going home. A obtusidade desse sistema é algo que não consigo explicar.

Vocês sabem o que é feito para que sejam diminuídas as chances do duelo terminar logo no primeiro tiro? Sabem qual é o outro grande catalisador da emoção nesse duelo, além do cara-ou-coroa? Supostamente para dizer que não é líquido e certo que o duelo vai acabar logo no primeiro tiro, e que o perdedor do cara-ou-coroa não foi vítima de um perfeito faux pas, eles deixam que ele tome a eficientíssima medida de proteção consistente em não ficar de peito aberto para receber o tiro; num ato de camaradagem, permitem que ele fique de perfil, de modo que o projétil que lhe atravessará os tímpanos -- no caso de uma sorte invulgar, isso é -- lhe deixe apenas surdo, em oposição a morrer instantaneamente com a face desfigurada.

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