sábado, 16 de outubro de 2010

Harry, un ami qui vous veut du bien - Dominik Moll



Um filme que começa e termina com grandes cenas já é uma promessa de redenção. Uma ova para quem disser que punch lines são vulgares, e que o equivalente delas no cinema (não sei qual é o termo técnico) não prestam. Notem que existe humor bom sem punch line e existe cinema bom sem grandes cenas. Mas, da mesma forma que o humor se torna especialmente ditoso quando repleto das frases de efeito, um filme se consagra para além de qualquer discussão quando o seu início e o seu fim captam, transmitem e enceram visivelmente a própria ideia que foi desenvolvida ao longo da história.

No caso de Michel, é mais ou menos irrelevante tudo que acontece com ele desde a hora em que o vemos pela primeira vez, o desespero agonizante estampado na sua expressão, até o último relance da sua imagem, já feita de um puro e tranquilo contentamento. Irrelevante, na medida em que um pouco chato. Quer dizer, a sequência de pequenas pilhérias (só assim eu consigo descrever o que o Harry faz) que o seu antigo amigo de escola começa a levar a efeito para conquistar a amizade do velho camarada de liceu ajuda a solidificar o desespero que Michel sentia no início e enaltece, portanto, a bonomia perfeita que ele experimenta no final. Mas ela não é determinante para esse resultado, que, se tivesse sido obtido por quaisquer outros meios - e certamente existiam outros meios de Michel se transformar do jeito que se transformou -, ainda assim tornaria esse filme um grande filme.

Que me seja permitido contar um pouco do filme para explicar melhor o que eu estou tentando dizer. A história é a do Michel, que viajava com a sua mulher e com as suas três filhas numa espécie de Belina sem ar-condicionado, sofrendo em cada célula do seu organismo o incômodo do calor. Numa parada da estrada, Michel se enc0ntra com Harry, um colega de escola
que, digamos assim, não o tinha esquecido. Esse é o evento desencadeador do conflito, pois a partir desse momento Harry passa a se imiscuir na vida de Michel da forma a mais desastrada e fatal possível. Irresponsavelmente, enlouquecidamente, Harry passa a corrigir os obstáculos que ele enxerga como sendo os grandes empecilhos na vida de Michel, os grandes estorvos que ele carrega e que impedem que ele se torne o grande talento literário que supostamente ele seria na época em que os dois estudavam juntos.

Michel nada, ou muito pouco, poderia fazer para evitar que essas drásticas intervenções da parte de Harry fossem feitas na sua vida, pois sequer ciência ele tinha da coisa. A parte em que falei que o que aconteceu na vida de Michel foi um pouco chato vocês podem atribuir a ele ser francês e tal. A parte em que eu falei que o que aconteceu foi irrelevante é que importa. Partindo da cena inicial, poderíamos chegar, como de fato praticamente chegamos, à cena final, sem que Michel tivesse a mais vaga ideia de tudo que Harry fez para mudar a vida do amigo. Se isso é verdade, bastaria que um único pequeno detalhe mudasse, por qualquer motivo, para que Michel viesse a se sentir tão bem, como ele se sentiu, em oposição ao sofrimento atroz do início. Bastaria um novo carro, isto é.

Só que ao lado desse carro, Harry fez muito mais. Fez coisas abomináveis, coisas desnecessárias. Fez tudo isso em nome de um suposto valor filosófico-moral que, como tudo aquilo que motiva um personagem francês a fazer qualquer coisa, costuma ser supinamente chato.

Nessa parte inteira, o filme é intolerável. No pouco que resta, muito divertido.

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