domingo, 16 de maio de 2010

American Psycho - Mary Harron

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"I got a business card 'cause I wanna win some lunches! That's what my business card says: Mitch Hedberg, Potential Lunch Winner. Gimme a call, maybe we'll have some lunch. If I'm lucky!" - Mitch Hedberg.

Essa piada foi a primeira coisa que começou a vir na minha cabeça quando eu percebi que o aspecto mais interessante da psicopatia de Patrick Bateman era a apreciação deveras doentia pelo cartão de negócios dos outros. O resto do filme foi só uma desculpa para pensar em como poderia ser a cena da prisão do Patrick, num diálogo legendado.

***

[entrando numa sala da firma Pierce & Pierce, onde Patrick Bateman está sozinho, escutando Huey Lewis num walkmen paleolítico, com um semblante entre puramente aristocrático e aparentemente constipado]

- Senhor Patrick Bateman? Oficial O.
- Sim, oficial. Sou eu.
- Senhor Patrick Bateman, você está preso pela morte de Mitch Hedberg. Você tem direito a um advogado. Você tem direito a permanecer calado. Tudo que disser poderá e será usado contra você no tribunal. Você vai resistir e me obrigar a fazer uma cena bem no meio do escritório, senhor Bateman, bem no meio dos seus colegas de trabalho, ou eu posso contar com a sua cooperação, senhor Bateman?
- Oficial, não há necessidade dessa loucura prosseguir. Fique com essas algemas. Ninguém na firma precisa equivocadamente pensar que eu estou sendo preso por alguma coisa.
- Foi o que eu pensei, senhor Bateman, foi o que eu pensei.
- Agora, oficial, o senhor poderia me fazer a gentileza de dizer do que o senhor está falando, para que eu possa esclarecer qualquer desentendido? Queira se sentar, oficial.
- Estou falando do assassinato de Mitch Hedberg, senhor Bateman. Estou falando do sangue pelo qual o senhor pagará.
- Espere um segundo. Você está dizendo que eu matei Mitch quem?
- Mitchell Lee Hedberg, trinta e sete anos. Caucasiano. Humorista. Lembre-se que o senhor pode ficar calado, senhor Bateman. Se quiser, o senhor pode me acompanhar discretamente ao Departamento, e falar apenas na presença do seu advogado. Eu devo lhe informar, senhor Bateman, que eu prestarei testemunho de tudo que está acontecendo aqui, e qualquer impertinência que o senhor falar eu sei obrigado a colocar no relatório.
- Oficial, eu insisto em conversar. Posso pedir alguma coisa para você enquanto isso? Qualquer coisa. Não será incômodo algum.
- Obrigado, senhor Bateman, estou bem.
- Oficial, deve ter havido algum engano. Com base em quê eu estou sendo acusado dessa coisa ridícula?
- Poupe suas palavras, senhor Bateman. Aos jurados é que você vai ter que mostrar quem você é.
- Oficial, eu realmente não entendo o porquê dessa nossa conversa ter que sair dos limites da mais absoluta cortesia. Vamos, oficial, fale comigo.
- Isso não é uma das suas operações de mercado, senhor Bateman. O senhor não poderá me convencer a comprar ações a preços inacreditáveis, com retorno garantido.
- Por favor, oficial, eu só quero esclarecer tudo. O senhor compreenderá a minha situação...
- Quem não compreenderá jamais a sua situação, senhor Bateman, é Mitch Hedberg!
- Mitch Hedberg, esse nome não me é estranho. Eu deveria reconhecê-lo por algum motivo?
- Este nome não lhe é estranho? Você diz que esse nome não lhe é estranho? Senhor Bateman, este nome está escrito por toda a sua cara hidratada junto à palavra assassinato.
- Será que você poderia me dizer quem é esse sujeito, oficial.
- Eu acredito que o senhor vá se lembrar de Mitch Hedberg não como um dos seus amigos de Wall Street, não é mesmo, senhor Bateman? Não como um dos frequentadores dos seus clubes e nem como um figurão dos negócios. Mas, diga-me, senhor Bateman, você e Mitch Hedberg não tinham um amigo em comum no lado oeste? Um amigo que lhes fornecia as suas preciosas gramas das suas preciosas substâncias? Não estou certo, senhor Bateman? O senhor não comprava as drogas que animavam as suas noites de esbórnia de Dick Jumper, do lado oeste?
- Eu não sei do que o senhor está falando, oficial. Eu realmente não sei. Eu sou um respeitado homem de negócios.
- Oh, senhor Bateman, os seus negócios, os seus negócios. Claro, eu andei levantando a sua ficha. Graduado em Harvard, no topo da sua classe. Nunca precisou se preocupar com um emprego, não é mesmo, senhor Bateman. Com um histórico desses e com apenas uma pequena ajuda do Senhor Bateman Sênior, como diabos o pequeno Patrick se tornaria qualquer outra coisa que não um jovem bem-sucedido na sua carreira...
- Se você deseja me fazer sentir culpado por alguma coisa, oficial, é melhor não escolher o fato de que eu nasci numa família rica. O que separa homens como eu de homens como Mitch Hedberg é muito mais do que dinheiro, oficial: é uma coisa chamada instinto natural.
- Você chama de instinto natural esquartejar um indivíduo sem piedade? Eu chamo isso de estupidez, senhor Bateman, se você fizer isso e então deixar o cadáver num nem tão escondido assim depósito em Hell's Kitchen.
- Você não tem nenhuma prova.
- Ah, mas eu tenho, senhor Bateman, eu tenho. Aquele corpo decompondo em Hell's Kitchen, você o botou lá na noite de 29 de setembro, não foi, senhor Bateman? Para o seu azar, o cafetão da senhorita Laura Jules, ou, como o senhor prefere chamá-la, Christie, é um sujeito muito organizado com agenda de suas garotas.
- Você não está dizendo a verdade, oficial.
- E tudo por causa de um cartão.
- Aquele maldito mereceu!
- O que foi, senhor Bateman, nunca tinha visto uma desculpa tão vulgar para que um homem tivesse um cartão de negócios ou foi a a vulgaridade do próprio cartão, com aquela fonte ordinária e naquele papel simplório, que lhe fez querer matar Hitch Hedberg?
- Bem, oficial, eu devo confessar que a alta incidência de cadáveres sendo deixados em Hell's Ktichen, embora um fato inteiramente natural naquele lugar impossivelmente sórdido, é também um resultado, modesto é verdade, das minhas singelas contribuições na requintada arte do homicídio. Você sabe, eu não consigo disciplinar este ardente ímpeto em apagar as provas dos meus crimes, de modo a me beneficiar de uma doce impunidade. Oficial, eu não consigo imaginar que ser colocado na prisão irá aumentar as minhas chances de conseguir uma reserva numa mesa decente do Dorsia's.
- Senhor Bateman, o senhor ainda não tem condições de saber disso, já que ainda estamos no início dos anos 90, mas eu me tornarei uma pessoa capaz de fazer coisas que o senhor não conseguir uma reserva numa mesa decente do Dorsia's vai ser o menor, o menos angustiante dos seus problemas. Espere por um filme chamado o Paciente Inglês, senhor Bateman, e então o senhor verá do que eu sou capaz de fazer.
- Mas você não é e não poderia ser Willem Dafoe, oficial. Ele era um simples detetive particular. O papel dele é completamente incompatível com esse desfecho, artisticamente -- e eu enfatizo a palavra artisticamente.
- Senhor Bateman, a pessoa que escreveu isso nunca teve a menor ideia de onde ela iria chegar.

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