domingo, 2 de maio de 2010

Inglourious Basterds - Quentin Tarantino


É mais fácil, eu imagino, alguém me recriminar por contar partes essenciais do filme, o que de fato eu faço linhas abaixo, do que me acusar de afeição ao nazismo, o que de forma alguma eu tenho. Mas eu faço questão de me escusar antecipadamente e de afirmar que o que eu direi de forma alguma teve a intenção de mostrar simpatia ao brutal regime totalitário. Gostei de um personagem - somente um personagem, veja-se -, partidário, e por isso eu aceitaria alguma reprimenda, se esta obra de ficção - obra de ficção, veja-se - não fosse, ela própria, uma forma de celebração da violência, naquilo que ela pode ter de engraçada. Sendo certo que a violência pode ser engraçada, em termos de cinema, mas também um ponto negativo no escore final da personalidade ou conduta de alguém, seria muito mais condenável simpatizar com o truculento personagem do Brad Pitt, por exemplo, do que meio que torcer - foi o que eu fiz - para o personagem do oficial nazista exótico. No final das contas eu simpatizei com o personagem do Brad Pitt e realmente meio que torci para o Coronel. Eu sabia que alguma coisa no roteiro justificaria a minha torcida e só posso pedir desculpas, bem sinceras, se alguém se ofender com isso -- com o fato de que eu talvez tenha ultrapassado o limite aceitável e que pode ser tolerado quando alguém vai falar de Segunda Guerra.

Dito isso, volto para o parágrafo que eu estava escrevendo.

Como diria Enéas, eu sou um sujeito de poucas luzes. Em matéria de filmes isso não é diferente. Não sou um bom entendedor de filmes, e muito menos expresso bem as poucas noções corretas que às vezes eu consigo formular sobre eles. O único momento de sorte que eu tive, e já enfatizo desde logo que se tratou de um momento de sorte mesmo, foi assistindo a Jogos Mortais. Na primeira cena do filme eu descobri quem era o assassino, porque o sujeito que estava deitado no porão, supostamente morto, não tinha uma fita no gravador. Isso era o que todo mundo tinha, e se aquele sujeito era diferente, iluminadamente eu concluí que ele era o matador. Acho que um momento de sorte parecido aconteceu com este Inglourious Basterds, embora em medida alguma ele possa ser atribuído a uma espécie de percepção que tenha tido, como no caso Jogos Mortais. O que aconteceu aqui foi a pura e natural empatia que eu tive por uma pessoa me levando a torcer, ao longo do filme, por alguém que iria acabar fazendo alguma coisa legal. Talvez esse episódio tenha sido menos raro do que a descoberta instantânea de quem era o assassino lá daquele outro filme. Acho mesmo que deliberadamente o Coronel Hans Landa foi criado de uma forma tal que nós gostássemos dele desde o primeiro momento. Foi o que aconteceu comigo, em todo caso. Gostei dele se esforçando para falar francês, dele pedindo leite e fingindo que não iria fuzilar aquela família. Acho que em toda a história do nazismo cinematográfico, só Schindler mesmo para não despertar o ódio instintivo e visceral. E ele nem era oficial. Mas Schindler e 0 Coronel Landa, eu acrescento. Não por acaso, mais tarde esse último emboscaria oficiais nazistas e permitiria a realização da fantasia maior que se você não adquiriu lendo livros de história, você adquiriu jogando Medal of Honor: metralhar nazistas encurralados.

Se vale alguma coisa, ou se alguma coisa mais precisa ser dita, o Frederick Zoller, que por um tempo poderia se passar por apenas um garoto alemão cumprindo as leis de seu país, se alistando no exército e sendo basicamente um soldado, dele eu não gostei de imediato. E não viria a gostar nunca. O motivo é o mesmo que Shossana diz, na cena do café, e efetivamente ninguém tem o direito de ser criança o suficiente para negar a sua pertinência: o sujeito representava o ocupador.

O que me levou a gostar do Coronel Landa, eu acho, foi um pouco do que se poderia chamar de Indicador Costanza. Estou tentando parar de ficar dizendo nomes neste post, mas o Indicador Costanza eu não não posso evitar, pois foi exatamente por causa dele que surgiu em mim a torcida de que eu tenho falado e que obviamente me incomodou um pouco (basta ver a minha verborrágica insistência em tratar dela). O Indicador Costanza, em resumo, se refere ao talento que o George uma vez declarou como sendo o único que ele tinha, o talento de dizer se alguém estava desconfortável numa festa. Para mim o Coronel Landa seria detectado pelo Indicador Costanza se em vez de uma festa nós estivéssemos falando de toda a movimentação beligerante na Europa. George diria que ele não estava muito à vontade com a coisa toda e foi pensando também isso que eu fiquei interessado em ver como ele iria se comportar. Soldados nazistas frequetemente são retratados em filmes nos seus conflitos de consciência, nos seus questionamentos e nas suas fraquezas perante a ordem totalitária. Não é disso, porém, que estou falando. Não é esse o que eu acho que seja o caso do Coronel. O desconforto que se percebe nele está nos seus próprios trejeitos, no modo como se senta e no modo como fala. Sempre ele espera pela final e inegável confirmação, da parte de um suspeito, quando ele está interrogando algum inimigo do Estado. Ele não se precipita, não força uma confissão. Que inseguro oficial nazista, por exemplo, tomaria o cuidado e teria a paciência de esperar a mulher suspeita de participar da chacina de soldados colocar o seu pé à prova num sapato que por acaso ficou largado na cena do crime? Só o Coronel. Só o Coronel, nessa ocasião, pediria para que ela estendesse a perna e ficaria dando tapinhas impacientes nas suas coxas.

Procurando alguma foto dele para colocar neste post, vejo a pletora de comentários e mesmo o anúncio que o Tarantino fez de que o Coronel é o melhor personagem que ele já escreveu. Quase me inclino a dizer que Stuntmam Mike é quem merece este título, mas falar isso não é algo que eu estou conseguindo fazer neste momento.


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