segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Direktøren for det hele - Lars von Trier


Dá até vontade de usar aquelas sequencias verborrágicas de advérbios e adjetivos que costumam ser retiradas das críticas dos jornais direto para as capas de dvd. Com adaptações da linguagem do jornalismo para aquela da blogosfera, é claro. "Meticulosamente irônico, ocasionalmente lobotômico, triunfalmente maneiro". E O Grande Chefe é tudo isso, é tudo isso. O crítico poderia ter escrito assim: "Saí de casa, assisti a um filme meticulosamente irônico, ocasionalmente lobotômico, triunfalmente maneiro, e depois decidi me jogar do oitavo andar porque crianças morriam em Guiné Bissau por falta de água pótavel enquanto eu, usina de pedantismo neste canavial de brutos que é o Brasil, ficava me distraindo com uma comédia dinamarquesa sobre o mundo corporativo. Não mereço a dádiva da vida, assim como você, leitor, é um insulto à criação." O crítico poderia ter escrito aquilo, eu dizia, que nenhuma injustiça estaria sendo cometida se a pessoa responsável por fazer a capa do dvd resolvesse citá-lo apenas na parte do "meticulosamente irônico, ocasionalmente lobotômico, triunfalmente maneiro".

Numa nota mais boba, eu disse mais boba, eu não irei apagar esse filme da memória da SKY. Por enquanto ele vai entrar para a galeria seleta dos indeléveis em que hoje ainda figuram Gotcha, uma Arma do Barulho, Laranja Mecânica, Taxi Driver e O Exterminador do Futuro 2. A lista, eu adianto, tem mais a ver com filmes que eu por acaso vi passarem na televisão e que eu por acaso tive a ideia de gravar, e menos com filmes que eu considere os esplendores do cinema. Não são os filmes dos quais eu mais gosto, mas certamente são filmes que se eu, de uma hora para a outra, sentir um ímpeto enorme de assistir, é bom saber que eu não vou ter que correr a uma locadora ou então ao isohunt. Além do mais, a memória da SKY ainda está com 59% da sua capacidade livre; é um desperdício apagá-los.

Voltando ao filme, uma das coisas mais legais que eu achei na história é como o personagem maluco do ator que é contratado para se fingir presidente da empresa complementa, de um jeito muito natural e bem elaborado, os desvios de personalidade do próprio presidente da empresa que o contratou para aquele serviço. Os nomes, para esclarecer, são Ravn e Kristoffer, quer dizer, Kristoffer e Ravn. Kristoffer é o ator que enxerga na sua atuação, escassa e desbotada o quanto ela pudesse ter sido no passado, um sentido grandioso e profundo a que o seu talento infelizmente não consegue corresponder. Culpa, dentre outros, das suas pausas incompreensíveis no discurso, da sua total falta de expressão facial e da circunstância incômoda dele usar todo dia a mesma roupa. O simples trabalho de comparecer a uma reunião, dizer que ele estava feliz de estar ali e assinar um contrato, Kristoffer consegue transformar numa escalada culminando no desastre pessoal e na calamidade empresarial, não sem antes enfrentar a avalanche de um casamento prometido a uma mulher cujo nome ele ignora.

Mas as coisas não acontecem como se Kristoffer fosse o único doente mental da história. Ravn não fica atrás como um confirmado estróina. O que ele fez, vejam, foi contratar um ator para se passar pelo presidente da empresa que ele próprio fundou e da qual ele próprio era o presidente. Ele fez isso, vejam, para evitar os tormentos insuportáveis no mundo hodierno de um empresário se responsabilizar, perante seus empregados, pelas decisões que ele toma na condução negocial da internacionalização do seu eficiente produto de TI, o Brooker 5. O personagem é o de um louco, e é divertido vê-lo se encontrando com Kristoffer, em territórios neutros, fora da empresa, para confabular sobre como o ato de fingimento poderia ser desempenhado com sucesso e para compartilhar solidariedade quando inevitavelmente as coisas colapsam.

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