sábado, 23 de agosto de 2008

Continuando com este blog


Foi uma grande coincidência que eu tenha assistido ao The Life Aquatic with Steve Zissou com tão pouco tempo de diferença entre a minha releitura de Moby Dick. Eu disse coincidência porque não era o meu plano intencional consultar obras de conteúdo náutico para então fazer um post – muito menos um post sobre capitães monomaníacos que conduzem suas tripulações em caçadas a criaturas bestiais.

Mas, em razão dessa circunstância, em todo caso, e eu terminei de reler o livro na semana passada e estava vendo o filme agora mesmo, muitas associações entre essas duas histórias me ocorreram. Tantas, na verdade, que eu não estaria exagerando se dissesse que as duas obras representam duas formas diferentes de contar a mesma história. Quanto a isso, eu sei, pode ser que um defeito meu prejudique a minha análise. Chamo de defeito o que a minha modéstia me impede de chamar de a-característica-mais-certa-que-uma-pessoa-poderia-ter-a-respeito-de-narrativas. Esse defeito, como eu ia dizendo, está no fato de eu valorizar e prestar atenção mais na sucessão de eventos que encaminham o desenvolvimento das histórias do que nas repercussões existenciais que esses eventos produzem nos personagens. E, nessa perspectiva de apreciar o enredo, é muito fácil dizer que TLAwSZ é apenas uma versão indie e levemente mais cândida do romance de Herman Melville, por toda a perseguição a um monstro marinho e tal, quando, no fundo, a personalidade arrogante e tresloucada do Capitão Ahab nada tem a ver com os trejeitos de fracassado has been de Steve Zissou.

Mas o que me fez mesmo parar para escrever esse post foi a necessidade de registrar apenas uma coisa. Ficou bem engraçada, eu achei, e eu não desisto de pensar que foi de propósito, a adaptação que Wes Anderson fez de Quiqueg. Quiqueg, no livro, é truculento nos seus gestos, mas afável nos seus humores; um ser absolutamente primitivo e rudimentar; descendente da realeza local de uma ilha polinésia, filho de um rei, ele abandona o seu lar para fugir num navio baleeiro; sanguinário e analfabeto, Quiqueg torna-se um arpoador exemplar; tira a sua notável coragem da proteção que supõe receber de uma entidade sobrenatural que atende pelo nome de Yojo e que é personificada num idolozinho de madeira.

Não tem como deixar de gostar de Quiqueg, assim como não teria como deixar de gostar da sua versão atual, se a sua versão atual não fosse... atual demais. Pois como Wes Anderson transpôs para a nossa realidade o que em meados do século XIX era simplesmente o que de mais exótico existia, a saber, um aborígene? Quiqueg moderno é ninguém mais, ninguém menos que Seu Jorge. Sim, o único e sacrossanto Seu Jorge. Só que em vez de Yojo, o seu idolozinho de madeira é um violão. E em vez de manobrar um arpão, como o seu protótipo, Seu Jorge fica tocando, solitário com o seu violão, músicas de David Bowie que ele mesmo traduziu para o português.

Bom, já sabemos como ficou Quiqueg, já sabemos também que o Capitão Ahab foi transformado num personagem mais ou menos perfeito para Bill Murray, o que significa que em algum ponto toda a insignificância da sua vida estará refletida num olhar perdido no horizonte, numa fala baixa ou num pequeno gesto do mais absoluto esplim. Resta saber como ficaram os outros membros da tripulação, como Flask, Starbuck ou Stubb de juízo. E entre os primeiros imediatos do Belafonte (o navio de Steve Zissou), encontramos Willem Dafoe fazendo o papel de um alemão afetado; encontramos também Owen Wilson abobalhado como sempre. Falta, no filme, qualquer coisa minimamente equiparável a Ismael (o perturbado narrador de Moby Dick), é claro, porque mesmo o excelente Wes Anderson jamais poderia passar por ele.


O sujeito de terno é o empresário do grupo, um inglês bastante divertido. Ao seu lado está um funcionário da companhia seguradora. Bem no centro, o grande idiota concorrente.


Foto do elenco do Moby Dick de John Huston. Quantas coisas ominosas.

Nenhum comentário:

 
Free counter and web stats