quarta-feira, 20 de agosto de 2008

E isto não é propriamente um post

Só para esclarecer, eu não estava em Paris para que pudesse então não ficar em Paris em Agosto. Infelizmente, essa não era uma escolha que eu pudesse ter feito. Mas gente inclinada à jactância não faltará, mesmo nos recantos sombrios e esquecidos deste blog, e acho que eu terei contribuído alguma coisa nesse departamento com a seguinte sugestão.

Se alguém lhe perguntar o que você está fazendo em algum lugar que seja bastante feio e ruim, e se acontecer dessa pergunta ser feita durante o mês de Agosto, que não importe quão deplorável seja a sua situação que você não possa evitar aquele lugar feio e ruim: não dê a essa pessoa a satisfação de humilhar você; não se envergonhe da sua própria desgraça e nem perca a compostura, que sempre há como se ostentar um falso bem-estar com a correta medida de desdém. Simplesmente responda, dando de ombros, enchendo um pouquinho as bochechas e depois liberando o ar com pequenos estrépitos, simplesmente responda que, ora, ninguém fica em Paris em Agosto.

Diga isso a uma pessoa levemente mentalmente irregular e bem pode ser que você consiga esconder um pouco a sua desvantagem. Dado que você esteja realmente desarranjado nas suas complicações, é claro, não haverá remédio possível. Fora dos casos extremos, porém, é possível dar o conveniente spin nas mais vexatórias indiscrições, de modo que dizer que ninguém fica em Paris em Agosto poderá salvar a sua reputação. Mesmo que não seja Agosto, eu acho, a fórmula ainda mantém o seu valor. Bastará que a pessoa contra a qual se esteja disputando seja suficientemente desinformada sobre o que acontece em Paris em Agosto. E mesmo outros lugares podem vir a substituir Paris, mesmo outros meses podem vir a substituir Agosto. “Ninguém fica em Königsberg em Agosto”; “Ninguém fica New Haven em Agosto”; “Ninguém fica em Ibiza em Janeiro”.

São, como se vê, infinitas combinações. E elas sequer se limitam a mencionar um lugar e uma época do ano nos quais, em todo caso, não se deveria estar, por um motivo ou outro. A fórmula é realmente muito mais ampla. Tudo aquilo que seja embaraçoso fazer você pode fingir que está fazendo apenas porque uma outra coisa mais gloriosa, que normalmente você faria, não pode ser feita naquele exato momento por razões que escapam ao seu controle. Essa outra coisa gloriosa, se você normalmente não a faria, pelo menos você pode fingir que... nor-mal-men-te você faria. A chave, na verdade, está no fingimento que você irá praticar e nos efeitos (inesperados para a outra pessoa) que esse fingimento irá surtir. E, ao dizer que ninguém poderia fazer essa outra coisa gloriosa, não só você tira de si o peso de estar fazendo o embaraçoso, como também inverte a relação de zombaria, assim deixando a outra pessoa no lado desconfortável. A outra pessoa é que passa a ser a ignorantona que desconhece as sutilezas da matéria; ela é que está errada em imaginar que aquilo que você está fazendo não é a única atitude imaginável para qualquer outra pessoa, em qualquer lugar e tempo, por mais principal que ela seja.

Por trás da minha proposição está o seguinte arrazoado: se ninguém faria o contrário do que você está fazendo, é forçoso concluir que todo mundo agiria da mesma forma que você. Deixando de lado algum preciosismo que você possa ter em relação a alguma espécie de rigor lógico, e de fato o silogismo é menos que ideal, a idéia (vou até escrever com um “i” maiúsculo: a Idéia) passa. Passar, ela passa. Um ou outro cientista poderá aparecer para fazer algumas objeções, mas o que corretamente descreve o que essa idéia faz, na conjuntura geral da população, é a ação de passar. Ela passa.

O que eu acabei de dizer pode parecer complicado, mas é bem simples, quase grosseiro – e eu não tenho dúvidas de que se eu parasse de escrever esse post para consultar aqueles comentários do Olavo de Carvalho à Dialética Erística de Schopenhauer, lá eu encontraria algum nome grego ou latim para designá-lo. Provisoriamente, vamos chamar esse estratagema de inversão parisiense.

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