sábado, 25 de outubro de 2008

Eraserhead - David Lynch


Em termos de repulsa e estupor, um bebê mutante não se destacava tão gloriosamente no meu quadro de referências desde que eu vi pela primeira vez Inimigo Meu, ainda na escola, acho que na quinta série, numa aula de orientação vocacional. E olha que naquele filme a última classificação que se poderia dar ao bebê que nasce é a de mutante, já que ali ele é puramente fruto de um alienígena consigo mesmo -- a rigor, portanto, da mesmíssima espécie que o seu ascendente. De lá para cá, em todo caso, que eu me lembre agora, algumas coisas em Alien e n'A Experiência talvez me tenham suscitado pensamentos mais demorados sobre esse assunto. Nada que se compare a Eraserhead, posso dizer.

Meio como resultado de uma indução pavloviana, metodicamente trabalhada nos últimos anos, começo sempre a assistir aos filmes do David Lynch insistindo em me lembrar de que tudo ali é o sonho de alguém. O problema é não esquecer essa regra de ouro no meio do filme. Quer dizer, oportunidades para divagar perdidamente acerca do sentido das coisas que acontecem nos filmes dele não faltam, eu sei, mas em Eraserhead o fato do personagem explicitamente se deitar na cama antes das cenas mudarem completamente de padrão ajuda um pouco.

Foi desta maneira, atentando para os casos em que imediatamente antes da cena o sujeito estava deitado na cama e os casos em que imediatamente antes da cena ele não estava, foi assim que eu consegui estabelecer na minha cabeça uma distinção razoável entre o que estava acontecendo de verdade e o que não estava acontecendo de verdade. O que estava acontecendo de verdade me deixou mais encabulado, coisa que eu não sei se já aconteceu em muitos dos outros filmes dele.

Mas eu já deveria esperar pesada esdruxularia quando alguém disse, a respeito do recém-nascido, que eles ainda não sabiam se era um bebê. Não sabiam se era um bebê, prestem atenção. A dúvida não era se ficaria tudo bem com a saúde do bebê; a dúvida era se o que havia emergido do ventre da mulher era ou não uma criatura humana.

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