quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Trois couleurs - Krzysztof Kieslowski

Confirmo que se a sua preguiça impediu que você assistisse a essa trilogia, provavelmente foi a ação de um primitivo mecanismo de defesa fazendo a sua proteção. No meu caso, atípico em tudo por não nada ter a ver com qualquer espécie de preguiça, o mecanismo de defesa que vinha atuando era a limitação do acervo da minha locadora. Sempre que eu, todo voluntarioso, pensava em alugar esses filmes, um deles acabava por não estar disponível. Eu lamentava essa circunstância mal sabendo que eram os deuses me mandando um sinal de "acautelai-vos!". Mas uma vez tendo essa barreira desmoronado, toda a minha fragilidade cinematográfica serviu de pretexto para que as tropas franco-polonesas invadissem o meu território e me levassem alguns tesourinhos que eu tinha guardados.

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O pior é que essa trilogia começa logo com o pior dos três filmes, apenas marginalmente evoluindo para algo que chega ao compreensível e que estaciona no passável. O dois é o melhor. A grande qualidade do um é a trilha sonora, que parte dela nós vemos ser composta ao longo do próprio filme. E também essa franjinha da Juliette Binonche. 

No departamento das coisas que só acontecem em filmes franceses, uma garota de programa entra no apartamento da Juliette para agradecê-la pelo fato dela não ter assinado uma petição de expulsão do prédio, como pretendido por todos os outros moradores.  Mas em vez de levar  um biscoitinho ou qualquer coisa, principalmente se dando por satisfeita só de entregar a tal lembrança, a garota entra no apartamento, fixa-se num lustre azul, depois pergunta à Juliette o que tinha acontecido -- com isso querendo dizer, bastante textualmente: "o que aconteceu? você não parece uma mulher que foi traída ou abandonada!". Agora eu não vou me lembrar de outros surtos de percepção inconveniente dessa mulher, mas me recordo de que em algum ponto ela liga para a Juliette em plena madrugada, desejando que a nova amiga lhe ofereça conforto mental no momento em que ela se depara com o seu pai na plateia do bar de strip-tease em que ela trabalha. 

A trilogia não é muito linear, devo avisar. Os personagens se encontram apenas no final. As coisas acontecem no eixo França-Polônia-Suíça. 

Mas deixemos a viúva Juliette e os seus tombos enquanto tenta se recuperar da morte do marido e da filha. Deixemos as partituras de um grande concerto serem perdidas e reencontradas. Deixemos os misteriosos flautistas jogados na rua, que a qualquer momento uma mulher dirigindo um carro de luxo vai aparecer para dar uma carona a eles. Deixemos as velhinhas dificultosamente reciclando garrafas de vidro num enorme trambolho verde. Deixemos todas as correntinhas, que, por Deus, eu odeio corretinhas.

Deixemos tudo isso para ir ver como anda o nosso amigo penteado Karol Karol. 

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Quem não se sentiu triste ao ver a Julie Delpy basicamente sendo uma pessoa terrível levante a mão.

O julgamento do divórcio entre a Dominique (Delpy) e o Karol Karol mostra como os advogados franceses ainda usam becas quando estão oficiando no tribunal. O grau de civilização que eu vejo nisso é o mesmo que eu vejo num pajé yanomami se pintando para executar a dança da chuva -- a dança da chuva, no caso, sendo o ato mais plausível.

Assisti a um pedaço das explicações que o diretor dá no material extra do dvd -- como se precisasse ser explicado que uma andorinha derrubando material fecal em cima da pessoa é uma coisa ominosa. Karol Karol, de todo jeito, vive cada um dos infortúnios que a sua condição de alvo de excrementos de passarinhos poderia sugerir que ele iria viver. Para começar, perde a sua bela esposa num processo judicial e perde também todo o seu dinheiro. Vira maestro de uma orquestra que só tem um instrumento: um pente. Isso mesmo: um pente. Num golpe de sorte e de esperteza, consegue fugir para a Polônia dentro de uma mala de couro que se perde e que vai parar nas mãos de traficantes. Antes disso, ele ainda fica sem resposta quanto a uma mágica que não dá para acreditar que aconteceu de verdade e que envolve nada menos que treze cartas do baralho. 

Volto a dizer que esse é o melhor dos três filmes. É o mais divertido. É o que menos tenta transformar a pessoa que você já era quando você se sentou para assistir ao filme. E o bom é que ele não chega a estragar e aniquilar tudo que a Julie Delpy representa. 

E podemos ficar tranquilos que Karol Karol vai se encontrar. Numa espaçosa sala de Varsóvia, quem sabe. Talvez andando num Volvo. Que seja mandando congelar bananas, atento ao que dizem os especialistas. 

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Dos três, este é o que mais tem juízes aposentados espionando as ligações telefônicas dos vizinhos. E o que poderia ser apenas inverossímil, pela força incoercível de um filme francês, se torna também um tratado audiovisual sobre as angústias escondidas por trás da aparente rotina de amenidades de cada um. 

E já que estamos aqui, vamos nos perguntar o que há de errado, afinal, com as pessoas se sentarem numa mesa iluminada de bar para falar sobre se o Super-Homem tem, ou não, um super senso de humor? Por que elas precisam sempre se sentar em recantos lúgubres de cafés isolados e lá ficarem ensimesmadas até que alguém apareça dizendo "eu preciso te ver". Kieslowski não duraria um dia numa equipe de roteiro de sitcoms, isso eu posso garantir.

A boa notícia para as pessoas que fazem provas é a seguinte: se vocês por acaso deixarem cair um livro no chão, e isso por acaso acontecer um dia antes do dia da prova, na página em que o livro se abrir estará a resposta de uma questão da prova. Isto é, se o livro cair com alguma página aberta, devo imaginar. 

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