sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Mudando um pouco

Que as pessoas não mudam é uma mentira injustificada. Elas mudam o tempo todo. Algumas delas, pelo menos. Alguma parte delas, pelo menos. E o mais curioso é que uma coisa é a que mais faz as pessoas mudarem: outras pessoas. Ao lado de dinamites explodindo numa distância curta, outras pessoas são as que mais afetam as pessoas. Às vezes a pessoa catalisadora da mudança nem se dá conta disso. Eu conheço pessoas que alteraram profundamente o que eu penso sobre a vida e como eu me comporto diante dela que não fazem ideia do quão forte é a influência que elas exercem sobre mim. E não estou falando de escritores mortos, de imperadores romanos mortos convertidos ao cristianismo, de navegadores mortos que cruzaram o Atlântico. Não estou falando, tampouco, das minhas avós. Estou falando de pessoas que eu pude observar falando, pessoas de cujas existências eu por acaso tomei conhecimento. Pessoas que num minúsculo aspecto de suas vidas me mostraram formas de ser e de pensar que até então eu desconhecia. Tudo isso mesmo numa convivência muito pequena, quase inexistente e que não poderia causar a menor sensação. Duas delas me ocorrem agora que literalmente ignoram o fato de eu ser mais que um vulto entre vultos, um nome entre nomes. E se eu digo que eu sou mais que um vulto entre vultos, mais que um nome entre nomes, evidentemente eu não estou querendo sugerir mais do que uma simples constatação: a de que, do meu ponto de vista, distraído o quanto se queira, eu tenho existência integral, 24 horas por dia, o tempo todo algum pensamento individual sendo produzido, alguns sentimentos sendo experimentados, a cada instante um instante se acumulando a outros instantes para formarem uma historinha pateticazinha. Mas para essas duas pessoas eu não sou nada disso. Sou só aquilo. Elas não podem imaginar como eu mudei depois que as conheci, por que eu as conheci. Quando eu disse que eu desconhecia as formas de ser e pensar que eu vi nessas pessoas, no entanto, uma coisa deveria ter ficado mais clara. Eu não fui, e seria ridículo pensar que sim, surpreendido por novidades impensáveis. Elas não chegaram a revolucionar tudo que eu pensava saber sobre a raça humana. Muito pelo contrário, até. Elas simbolizam exatamente as melhores partes que eu, já e sempre, conseguia imaginar que existissem em pessoas, mas que eu nunca tinha visto de perto. Ou mesmo de longe. O que eu quero dizer é que eu ainda não tinha visto o que eu acho que existe de certo e de bom materializado tão bem. Já tive a chance de observar qualidades isoladas, já tive a chance até de observar pessoas com raras qualidades reunidas. Para além de um certo ponto, porém, e esse ponto não precisa nem ser exagerado, a pessoa detentora de um certo número de qualidades especiais se destaca de uma maneira muito expressiva em relação ao resto. Estou falando de pessoas que eu não conseguiria enquadrar no resto das pessoas que eu conheço, exceto num nível muito primário e elementar, como o do resto das pessoas que eu conheço que possuem pernas e braços, que praticam a respiração aeróbica, que acreditam em datas. Só nesses pontos elas se identificam com as outras amostras humanóides que eu já tive a oportunidade de examinar. Está claro que eu não poderia agradecer a utilidade que me é prestada por elas. Se eu tivesse que fazer isso, meu ato seria falho logo no nascedouro. Ainda estou no ponto de tentar compreendê-las melhor. Uma delas é de uma inteligência tão tranquila que seria capaz dissuadir uma matilha esfomeada de pular numa piscina de linguiças (de onde eu tenho tirado essas coisas, hein? Que idiota.Outro dia foi o tal do corretor de imóveis numa caixa de sapato). A outra, de um bom gosto impressionante. Eu acho que se eu precisar descobrir uma coisa da qual eu queira gostar, é mais fácil eu tentar falar com ela do que eu tentar pensar sozinho. No futuro, talvez, eu tenha a chance de estar mais próximo a essas pessoas. Isso vindo a acontecer, para mim,seria muito bom. Não vindo a acontecer, mesmo assim eu já serei um legatário de um vasto acervo de coisas legais. Daqui para frente será comigo. Eu mesmo terei que levar adiante conversas imaginárias com essas pessoas toda vez que precisar de uma consulta específica. Chegar ao limite da minha capacidade de ficção, em todo caso, e particularmente nesse caso de inventar diálogos, sempre foi algo que eu tentei fazer com algum senso de diversão. É uma diversão muito barata, posso dizer. Fico impressionado com o número de pessoas que eu vejo na rua e que só pela expressão eu posso dizer que não estão inventando maluquices cerebralmente. O que essas pessoas têm para fazer que é tão melhor assim? E o que isso tem a ver com o que eu estava falando no início? Que as pessoas mudam... sim, elas mudam, mas não para deixar de ficar com um cara esquisita enquanto eu as vejo na rua. Ao que eu posso acrescentar: eu mudo. Eu mudei. Duas pessoas até fizeram uma diferença nesse processo. Só está faltando eu conseguir um pouco da inteligência e do bom gosto delas.

2 comentários:

Anônimo disse...

Gostei tanto desse post que gostaria de sugerir uma mudança temática no blog!
Será que um dia vou conhecer pessoas tão espetaculares quanto as descritas aqui? Talvez eu já tenha conhecido e me falte apenas a capacidade de enquadra-las numa categoria com a sua clareza...

Neto Torcato disse...

Bom, deixar de falar sobre filmes eu não vou deixar. Nunca tinha feito isso de maneira sistemática e tenho me divertido bastante fazendo isso agora. Para outras coisas que tenho escrito talvez o melhor fosse mesmo criar outro blog. Se bem que essa frase do subtítulo, que está no Dom Quixote, já serve para qualquer coisa.

Mas olha que você já deve ter conhecido um povo, sim. E é sempre bom continuar procurado.

 
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